CASSAÇÃO: Até tu Brutus?!

César se levantou, ajeitou sua gravata e foi até a tribuna. Respirou fundo, olhou em volta e em alto e bom som começou a falar para seus companheiros "de profissão". Com uma cara de quem comeu e não gostou, ele procurou ser breve, franco e objetivo:

"Não vim aqui me defender de nada. Já fiz isso demais. Compreendo a situação, entendo todas as acusações e assumo minhas responsabilidades. Prefiro não falar sobre esse assunto para não perdemos mais tempo com debates inócuos.

Eu tenho conta na Suíça e em outros paraísos fiscais, recebi gordas propinas de grandes empresas, manipulei procedimentos na Câmara, admiti o início do processo de impeachment, soneguei imposto de renda e comprei votos para as causas que realmente desejava vencer. Pronto.

Diante disso, venho aqui perguntar a todos: É com a cassação do meu mandato que vocês pretendem me pagar? É me jogando para as cobras, abandonando o barco e me deixando sem pai nem mãe que vocês pretendem retribuir a minha nobre ajuda?

Acho isso estranho. Principalmente depois de financiar ilegalmente a campanha de muitos, de beneficiar ilicitamente os partidos a que pertencem, de arranjar cargos no primeiro e no segundo escalão e de mexer uns pauzinhos para aprovar tudo que queriam.

Considero que não é agindo como Brutus, não é falando como Judas e nem é afastando o cálice de sangue como Jesus, que vocês irão conseguir a redenção. Temo que não seja tão simples assim. Afinal, ninguém que vende a alma ao Diabo dá conta de sair impune desse tipo de situação sem oferecer algo de valioso em troca.

Também não me agrada servir de bode expiatório e nem ser rotulado como boi de piranha. Preferia que vocês adotassem a filosofia dos mosqueteiros e não dessem tanta importância para a imprensa, o poder judiciário e o povo. Eles não podem abalar nossas crenças e muito menos a nossa lealdade.

Na hora de tomarem uma importante decisão sobre essa página da minha humilde, mas relevante história, tenham em vossas mentes a lembrança de uma antiga afirmação: Quem nunca pecou, que tenha a coragem de atirar a primeira pedra.

Por fim, e apesar de tudo isso, quero que vocês jamais se esqueçam. Eu voltarei. E voltarei por cima. Não duvidem disso e tomem cuidado. Mesmo que vários de vocês já não estejam mais por aqui, tomem muito cuidado. Afinal, quem planta vento, colhe tempestade. Obrigado pela atenção e uma boa noite para todos nós."

César respirou fundo, olhou novamente em volta e saiu de cena em grande estilo (sem medo de nada e com a cabeça erguida), seguindo na direção do mais sofisticado restaurante da cidade. Parecia pronto para uma boa taça de vinho e para as próximas batalhas da vida.

Conversar com alguns velhos amigos seria a primeira delas. Entre os cinco que o aguardavam estava aquele ex-deputado que gostava muito de dizer que ele era o seu "bandido preferido" Uma daquelas grandes e deliciosas contradições que César simplesmente adorava instigar. Axé!

Mello Cunha
Enviado por Mello Cunha em 20/09/2016
Reeditado em 01/10/2016
Código do texto: T5767384
Classificação de conteúdo: seguro