ADORMECIDA
ADORMECIDA
Jorge Linhaça
Silêncio...apenas o silêncio a envolvia, a gar- ganta obstruída pelas verdades não ditas, os ou-
vidos latejavam palavras proferidas por alguém, a
angústia de ver-se despida de suas defesas levava-a
a assumir uma posição fetal, procurando abrigar-se em si mesma, protegendo-se do medo do despertar.
Tanto medo disfarçado de ira, de um pseudo-afronte ao seu modo de agir. Sentia-se acuada, sem
forças para aceitar as próprias falhas e mudar...
Mudar? Mudar jamais, acostumara-se ao medo, o medo disfarçado de coragem que a impedia de retroceder, afinal era uma mulher independente, não precisava de ninguém...bastava-se em si mesma
e por isso assumira o papel de mártir voluntário em
prol de desculpar a si mesma por não lutar pela felicidade que despontava qual um bruxuleante raio
de luz em meio à penumbra de sua vida cheia de rotinas, algumas necessárias, outras criadas como muralhas a defende-la do mundo lá fora.
Havia tentado sim, acostumar-se ao raio de luz que teimava em invadir seus aposentos...as par-
ticulas de poeira em suspensão, no entanto, a bailar
pelo facho luminoso, a faziam temer...não se dava conta de que a poeira sempre estivera ali, que apenas o raio de luz a colocava à vista...sonhava com arco-íris coloridos, afinal arco-íris não mostram a poeira a ser sacudida das vestes sacerdotais, acumulada ao longo dos anos de luto da alma.
Tentara abrir as portas do seu mundo, mas ao abri-las, esqueceu-se de que quem vem de fora o vê
de outra maneira, isento dos vícios arraigados, da complacência instituída como forma de proteção de
quem privou-se por tanto tempo da liberdade de ser
plena e de aceitar a chegada da felicidade.
Quem chegar que se acostume ao ciclo vicioso! Afinal, que sabe ele dos meus sofrimentos?
Foram tantos anos de luto recolhido na alma, tantos anos a me entregar, me sublimar em prol dos outros...deixai-me em meu mundo turvo.
Deitada, semi-consciente, luta contra si mesma, razão e emoção se confundem em um tal
amálgama que já não é possível distinguir a realidade da fantasia incrustada em sua alma.
Mudança....palavra que desperta o medo que
corrói sua alma...Mudar pra que meu Deus? A pe-numbra que a envolve é como um escudo, nem luz, nem trevas, apenas aquela zona de conforto, um deixar as coisas como estão...arriscar? Não arris-car jamais...a rotina instituirá é a sua segurança.
A alma grita dentro do peito....LIBERTA-ME!...mas a mente temerosa a subjuga...não é a hora de pensares em liberdade...aquieta-te! Olha à tua volta, tens tantas promessas feitas em leitos de morte...não tens o direito de ser feliz! Tua missão é sofrer....cala-te alma ingrata! Deixa para ser feliz em outra vida...aceita os grilhões que te impuseste,
os reais e os imaginários, não permitas que te soem
aos ouvidos os cânticos da liberdade, afastai de ti
a felicidade!
- Parecia-lhe impossível conciliar a felicidade com as responsabilidades -
Caminhou, é verdade, aos poucos deu um ou outro passo, mas a culpa a acomete, a cada grilhão
rompido sente como se traísse a si mesma...a liberdade a assusta...liberdade para amar? O amor parece, em meio às brumas de sua mente um novo feitor a exigir-lhe mudanças...Encolhe-se em seu canto... recolhe-se, encarando a liberdade como um mal a ser evitado...sente o desejo...sente o amor lutando para escapar das malhas do medo incle-
mente...mas faltam forças para assumir a novidade,
busca então em mil detalhes inertes os motivos para fugir de si mesma, da felicidade a seu alcance.
Então dorme a mulher, querendo um dia despertar, como num toque de mágica, sem medos.
Ou, quem sabe, deseje não mais despertar,
entregue a um sono eterno, a olhar de outro plano,
aquilo que deixou para trás...sem lembrar-se no entanto, que lá também se cobrará o não ter sido feliz.
ADORMECIDA
Jorge Linhaça
Silêncio...apenas o silêncio a envolvia, a gar- ganta obstruída pelas verdades não ditas, os ou-
vidos latejavam palavras proferidas por alguém, a
angústia de ver-se despida de suas defesas levava-a
a assumir uma posição fetal, procurando abrigar-se em si mesma, protegendo-se do medo do despertar.
Tanto medo disfarçado de ira, de um pseudo-afronte ao seu modo de agir. Sentia-se acuada, sem
forças para aceitar as próprias falhas e mudar...
Mudar? Mudar jamais, acostumara-se ao medo, o medo disfarçado de coragem que a impedia de retroceder, afinal era uma mulher independente, não precisava de ninguém...bastava-se em si mesma
e por isso assumira o papel de mártir voluntário em
prol de desculpar a si mesma por não lutar pela felicidade que despontava qual um bruxuleante raio
de luz em meio à penumbra de sua vida cheia de rotinas, algumas necessárias, outras criadas como muralhas a defende-la do mundo lá fora.
Havia tentado sim, acostumar-se ao raio de luz que teimava em invadir seus aposentos...as par-
ticulas de poeira em suspensão, no entanto, a bailar
pelo facho luminoso, a faziam temer...não se dava conta de que a poeira sempre estivera ali, que apenas o raio de luz a colocava à vista...sonhava com arco-íris coloridos, afinal arco-íris não mostram a poeira a ser sacudida das vestes sacerdotais, acumulada ao longo dos anos de luto da alma.
Tentara abrir as portas do seu mundo, mas ao abri-las, esqueceu-se de que quem vem de fora o vê
de outra maneira, isento dos vícios arraigados, da complacência instituída como forma de proteção de
quem privou-se por tanto tempo da liberdade de ser
plena e de aceitar a chegada da felicidade.
Quem chegar que se acostume ao ciclo vicioso! Afinal, que sabe ele dos meus sofrimentos?
Foram tantos anos de luto recolhido na alma, tantos anos a me entregar, me sublimar em prol dos outros...deixai-me em meu mundo turvo.
Deitada, semi-consciente, luta contra si mesma, razão e emoção se confundem em um tal
amálgama que já não é possível distinguir a realidade da fantasia incrustada em sua alma.
Mudança....palavra que desperta o medo que
corrói sua alma...Mudar pra que meu Deus? A pe-numbra que a envolve é como um escudo, nem luz, nem trevas, apenas aquela zona de conforto, um deixar as coisas como estão...arriscar? Não arris-car jamais...a rotina instituirá é a sua segurança.
A alma grita dentro do peito....LIBERTA-ME!...mas a mente temerosa a subjuga...não é a hora de pensares em liberdade...aquieta-te! Olha à tua volta, tens tantas promessas feitas em leitos de morte...não tens o direito de ser feliz! Tua missão é sofrer....cala-te alma ingrata! Deixa para ser feliz em outra vida...aceita os grilhões que te impuseste,
os reais e os imaginários, não permitas que te soem
aos ouvidos os cânticos da liberdade, afastai de ti
a felicidade!
- Parecia-lhe impossível conciliar a felicidade com as responsabilidades -
Caminhou, é verdade, aos poucos deu um ou outro passo, mas a culpa a acomete, a cada grilhão
rompido sente como se traísse a si mesma...a liberdade a assusta...liberdade para amar? O amor parece, em meio às brumas de sua mente um novo feitor a exigir-lhe mudanças...Encolhe-se em seu canto... recolhe-se, encarando a liberdade como um mal a ser evitado...sente o desejo...sente o amor lutando para escapar das malhas do medo incle-
mente...mas faltam forças para assumir a novidade,
busca então em mil detalhes inertes os motivos para fugir de si mesma, da felicidade a seu alcance.
Então dorme a mulher, querendo um dia despertar, como num toque de mágica, sem medos.
Ou, quem sabe, deseje não mais despertar,
entregue a um sono eterno, a olhar de outro plano,
aquilo que deixou para trás...sem lembrar-se no entanto, que lá também se cobrará o não ter sido feliz.