FUTEBOL: Quem descobriu a A...?

Segunda-feira, hora do almoço. Américo estava meio triste e com cara de poucos amigos. No refeitório da empresa ele se encontrava cercado de pessoas fanáticas, que torciam para dois clubes bem diferentes do seu.

Tinha acabado de ouvir a última piada sobre seu time, dizendo que era um ônibus velho que havia sido apreendido pelo DETRAN por diversos motivos: não tinha volante, não tinha banco, não tinha lateral, estava rebaixado e transportava muitas drogas. Só não havia crack entre elas.

Cristóvão, seu subordinado e recente colega de trabalho, o viu de longe isolado e cabisbaixo. Chegou perto e decidiu incomodá-lo perguntando sobre a causa de tanto aborrecimento, sem temer o conteúdo e a intensidade da resposta:

- O que houve? Alguma coisa de grave aconteceu, chefe?

- Nada demais. O de sempre. Meu time perdeu novamente no Brasileirão, continua dando vexame na lanterna do campeonato e será rebaixado mais uma vez. Tudo que já vem acontecendo há muito tempo. Longe das glórias conquistadas, do respeito dos adversários e do elenco recheado de craques.

- Seu time já foi assim um dia? Puxa, eu não sabia.

- Foi. Até a década de 70. Mas isso já faz uns cinquenta anos.

- O que ocorreu para ele ficar tão mal?

- Sei lá. Acho que é falta de garra, falta de amor ao time. Só pode ser. Jogador só pensa em grana e rabo de saia. Mais nada.

- É. Acho que sim. Mas nem todo Clube de Futebol tem esse tipo de problema.

- É verdade. E é isso que me mata de raiva. Tinha que ser logo o meu.

- Entendo. Deve ser difícil para o senhor.

- Muito. Sou gozado por isso direto. E também sou desprezado por torcer para um time assim.

Enquanto ouvia, Cristóvão pensava no que vinha sendo feito pelas muitas diretorias do time do seu chefe. Desde que começou a entender de futebol e a torcer para uma equipe famosa, não conseguia compreender as decisões tomadas pelos polêmicos dirigentes que por lá passavam.

Na história recente, a média dos últimos 30 anos era de três técnicos por temporada, 22 jogadores comprados, 15 vendidos e 7 emprestados. A equipe jogava em lugares pequenos para um público médio de 1.000 pagantes e nunca contratava jogadores de renome.

Além disso, montava e desmontava elencos com facilidade, até mesmo no meio da temporada. Revelava e vendia rapidamente vários jogadores de muito talento. A grande maioria deles nem chegava a atuar pelo time principal, não criando nenhum tipo de identificação com a camisa que vestiam.

Ao longo da temporada a escalação nunca se repetia e até a posição de goleiro era alvo de modificações sem razão aparente. O que confundia a maioria dos repórteres e comentaristas de plantão, além de não proporcionar um maior entrosamento entre os jogadores.

A equipe também não se dispunha a jogar contra clubes de ponta em estádios maiores, para obter mais visibilidade e rendas melhores. Sempre abria mão de aparecer e de ganhar mais dinheiro, alegando que não precisava se sujeitar aos interesses alheios.

Fato que contribuía para não atrair patrocinadores maiores e nem conseguir cotas de transmissão de jogos pela televisão mais justas. Ficando para trás até em relação a times pouco conhecidos e muito menos tradicionais.

Esse estranho comportamento causava desconfiança e uma impressão bastante negativa. Muita gente imaginava que o clube vinha sendo usado para lavagem de dinheiro, já que vários diretores eram suspeitos de desenvolver atividades ilícitas, ligadas ao jogo do bicho e às drogas.

Mas, no fim das contas, nada que não pudesse ser tolerado e esquecido pela sociedade e pelos poucos torcedores. Sendo a ignorância uma verdadeira benção que evitava a discussão inócua sobre o "mérito" dessa questão. Levando a uma complacente permanência na série B por anos a fio.

Cristóvão pensou em falar sobre tudo isso com Américo, mas refletiu a respeito e achou melhor deixar para lá. Afinal de contas, ele era apenas um subordinado que precisava sobreviver. E não valia a pena despertar a ira do chefe contra a sua pessoa, nem se mostrar superior em termos de raciocínio lógico.

Mesmo que a visão dele fosse romântica e ultrapassada, não tinha coragem de confrontá-la. Achava que isso seria uma maldade desnecessária, que precisava ser evitada para o bem do espírito e da manutenção do seu emprego.

- Não esquenta, chefe. As coisas vão melhorar. Esquece isso um pouco. Semana que vem tem mais e seu time pode vencer. Afinal, futebol é uma caixinha de surpresas.

- É. Acho que você tem razão. Melhor não "render" esse assunto. Obrigado.

- De nada.

- Agora vamos lá Cris. Está na hora de voltarmos ao trabalho.

- É isso aí. Assim que se fala. Agora façamos aquilo que uma mula falou para outra: "Vamulá" (sic).

Mello Cunha
Enviado por Mello Cunha em 18/09/2016
Reeditado em 10/10/2016
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