Seis Meses

Acordava sempre às cinco da manhã. Depois de lavar o rosto, levo a ração para Pagenor e dou uma volta no Parque Cosmo para ele fazer suas necessidades. Volto para casa e saio para trabalhar. O escritório do Jornal Nascer ficava a pouco mais de 200 metros de minha casa. Ao fechar o portão, percebo que de frente da residência dos Alves há um caminhão, talvez seja mais uma entrega de produtos importados.

Na Avenida dos Poderes, fui abordado por um cara com uma arma querendo dinheiro, não me assustei. Acabou levando cem reais, mais meu celular. Deveria ter destrocado a quantia levado pelo sujeito em notas de dois, assim se conformaria com a aparência do montante.

Naquele dia toda a equipe de jornalismo estava alvoraçada, em nossa rádio haveria uma entrevista com os candidatos à prefeitura. Dispensaram-me desse fardo, pois na entrevista de emprego aleguei desconhecimento politico. Não havia grandes obrigações a cumprir, então escrevi minha critica semanal sobre a seleção brasileira de futebol que seria publicada na manhã seguinte. Às doze horas, chamei meu companheiro de critica esportiva, Schoos, para almoçarmos. Schoos estava revoltado, descendente de família inglesa, atravessou o atlântico em busca de êxito profissional e apenas encontrou um emprego que não lhe satisfazia, escrevendo sobre futebol internacional, argumentava que tinha sido influenciado pela imagem do Brasil propagada no exterior, se denominava mais um “iludido midiaticamente”, eu não compreendia tal termo.

Quase todos os funcionários almoçavam no restaurante Pô do Sol. No beco, à esquerda, ficava mendigos à espera de sobras, havia um que sempre falava enquanto dormia, repetia sempre a mesma coisa “é o fim, vou acorda”. O dono do restaurante se chamava Xang, chinês famoso por apresenta pratos típicos da culinária oriental, preferíamos o prato feito.

- Voltarei nas férias. - Disse-me Schoos, com um português cheio de sotaque- Não estou ganhando o suficiente - Foram às únicas palavras de meu companheiro.

Voltamos para o do jornal. Preparei-me para voltar para casa as duas, mas hei que vem Juvenal (o patrão) veio-me avisar que eu era o escolhido para substituir o entrevistador número 5, que sofreu uma tremenda diarreia ao regressar do Pô do Sol. Não questionei, pois naquele dia Juvenal estava Fumando como caipora, um sinal de nervosismo e ansiedade. Recebi meu envelope com as perguntas que seriam feitas, não abri, tirei uma soneca e as 02h45min, Chelsea bateu na minha porta com uma roupa social para eu vestir. Apesar do nome, Chelsea era gaúcha, estagiaria de jornalismo, loira de olhos azuis e bonita de corpo. Sempre tentava encontrar alguma brecha para lhe dar uma cantada. Tomei banho e desci.

Juvenal antes da entrada dos dois candidatos ordenou, “é para perguntarem as perguntas que entreguei, sem faltar uma vírgula, nem um ponto”. Abri meu envelope, havia uma folha apenas, com um serie de perguntas, algumas estranhas para se perguntar para dois concorrentes a um cargo público. Inicialmente foi perguntado sobre saúde, educação, segurança pública, economia e o quinto envelope era referente aos escândalos públicos de cada um deles.

- Senhora Maria Esperanza, é verídico o vídeo vazado na internet, na qual aparece transando com quatro homens em um iate de luxo, comprado com dinheiro publico?

- Sim é verídico! Mas, o iate não foi comprado com dinheiro público.

- Senhor Jack Osex, atualmente você paga pensão para 14 filhos, e sua nova esposa está gravida de gêmeos. Você não acha incoerente ter como uma das propostas de governo, o corte do beneficio direcionada a criança de menos de dois anos de idade?

- Meu caro, dois anos passa rápido, aos três toda criança frequentará a creche e receberá merenda e ensino grátis. Jajajaja...

Ao termino de nossas perguntas, teve a participação dos ouvintes, “Esperanza quero te comer!” disse o primeiro participante, a candidata nada disse apenas deu umas rizadas contidas. “Jack, você engravidou minha filha, seu salafrário, vou te pegar, seu B...”. O clima ficou chato, Juvenal achou melhor não conceder mais a participação de outros. Os candidatos tomaram café e conversaram com empresários.

Voltei para casa mais tarde que imaginava, Pagenor estava inquieto, rapidamente o levei ao parque para darmos umas voltas. Regressamos ao anoitecer, antes de amarra-lo dei um banho com água misturada com remédio anticarrapaticida. Embaixo da porta, encontrei uma carta de demissão, e uma quantia em dinheiro, escrita pelo próprio Juvenal:

Meu caro.

Você perguntou muita merda na tarde de hoje, nossa empresa esta sendo bombardeada pelos veículos de imprensa de todo o país e perdemos patrocinadores. Espero nunca mais te ver, assim como aquele inglês e aquela estagiaria de nome esquisito.

Senhor J

Deixei o comunicado encima da mesa, aproveitei para pagar o aluguel e a conta de água que havia subido exacerbadamente. Fiquei feliz por ter sobrado dinheiro para ração de meu cão e por saber que haveria mais tempo para passear. No dia seguinte, mesmo com o relógio com o alarme desligado, acordei precisamente às 5 horas (nosso corpo é um relógio biológico), não sabia o que fazer, peguei aleatoriamente na mesa ao lado da cama um livro qualquer, Bom dia tristeza de Françoise Sagan. Comecei a ler, mas me aborreci com o barulho da cidade e o deixei. Fui ler os classificados dos jornais, não tinha vagas para escritor, critico ou jornalista. Antes de guardar o jornal Gasote, me chamou atenção à manchete “CANDIDATOS FLAGRADOS EM ORGIA SEXUAL COM FUNCIONÁRIOS DO PÔ DO SOL”. Não li, estava preocupado pela falta da rotina perdida, sem dinheiro e em breve sem luz, a conta estava atrasada e veriam corta-la.

Minha única ocupação naquele momento era Pagenor, passear no parque com o meu cachorro me tornava uma pessoa comum, sem preocupação. Sentei-me num banco, era um dia nublado e me distrai olhando as aves no lago, enquanto Pagenor dormia. Acabei cochilando, quando acordei não encontrei Pagenor, dei queixa na policia, mas não o encontraram. Não pude fazer cartazes ou colocar anúncios, pois estava sem dinheiro. Revoltado, vendi os dois paletós do jornal Pô do Sol, a televisão e a maquina de lavar roupa. Comprei um catão telefônico e liguei para minha mãe.

- Mãe eu estou voltando- disse de supetão.

- Por que meu filho? Faz apenas seis meses que você esta ai!

- Não gostei da cidade! Muito barulhenta.