Hermano
Desde que a mãe morrera, ele sentia a saudade de ouvir as notas do piano velhoe mal afinado reverberando tangos dramáticos de Carlos Gardel na sala da pequena casa....
Passaram a viver somente ...ele e o pai, uma figura fechada e de poucas palavras ..um homem de quase nenhum sorriso, sujeito de um olhar profundo , tão profundo como a eterna tristeza que sentia pela perda da única pessoa realmente amiga que tivera...sua esposa. Seus olhos negros tinham como moldura sobrancelhas largas e cerradas que insistiam em tentar um encontro entre elas, tão grande era a sua tensão facial...
Esse era o pai de Juan,assim era a sua família...
Não era uma vida propriamente miserável, a casa humilde num bairro de operários nos arredores de Buenos Aires já abrigara dias melhores, dias de festas e aniversários comemorados com fartura e alegria...uma fartura humilde, mas fartura.
Num desses aniversários, ainda menino,revelou em segredo para a mãe que gostaria de ser um artista......viajar...conhecer o mundo ...na sua imaginação infantil...quem sabe conhecer a fama e a glória.
Apesar do destino ter feito sua mãe abandona-lo ainda muito cedo, ele jamais abandoou o seu próprio sonho...ao contrario, ver seu pai chegar em casa do trabalho ...cansado, sujo, mal humorado e ver que a falta de dinheiro os privavam de quase tudo..alimentava nele o desejo de uma outra vida...
Mas isso não diminuía a admiração e o respeito que ele tinha por aquele homem...obstinado em tentar com seu duro trabalho , oferecer algum tipo de decência a vida de ambos.
Mas a vida não premia os melhores , a vida testa e desafio os melhores.
O pai faleceu repentinamente, ele recebeu a noticia em casa e aquele momento também foi o momento da sua partida...enfiou poucas coisas que tinha numa mochila velha, pegou algum dinheiro que ainda tinham e saiu da casa.
Não olhou para trás, não chorou...só andou....
Dormiu na rua,limpou jardins, trabalhou em circo, tentou o teatro mambembe ...se tornara um malabarista ....a vida não era nada fácil mesmo para um bom malabarista....
O mundo que ele conhecera não foi o mundo que sonhou um dia...ele nunca tivera fama...tampouco glória....seu único premio , seu maior premio...alem das moedas que recebia pelas apresentações rápidas em semáforos pelas ruas das grandes cidades ...era ver, entre o passar de uma garrafa de malabarismo e outra ante seus olhos ... o rosto de sua mãe sorrindo e de seu pai preocupado com a incerteza do que ainda viria....