INDÚSTRIA NO BRASIL: Made in China

O novo responsável pela gestão do Planejamento Público estava confortavelmente sentado de frente para uma grande janela. De lá, via a esplanada dos ministérios e ignorava os insistentes chamados telefônicos e as reluzentes mensagens eletrônicas. Sua mente o levava ao passado para uma rápida visita ao processo de industrialização do país.

Sessentão, Eugênio tinha plena consciência que os primeiros cinquenta anos haviam sido bem diferentes dos cinquenta anos seguintes. Mesmo com sua legenda partidária tendo participado ativamente das diversas decisões que forjaram o atual estado das coisas.

Na primeira parte a política implementada tinha sido nacionalista e desenvolvimentista, com uma participação integral do Estado investindo muito em infraestrutura, construção e operação de grandes empresas estatais, controle do fluxo de capitais, do câmbio e da inflação. Gerando empregos e um crescimento médio próximo das nações consideradas desenvolvidas, contando com uma grande colaboração do setor industrial.

Contudo, a dívida pública e a corrupção haviam aumentado muito, a renda da população foi concentrada na mão de poucos e uma dependência tecnológica emergiu no horizonte, impedindo que o país se desenvolvesse e se tornasse mais democrático, rico e justo.

Para piorar esse quadro as políticas públicas foram insatisfatórias, não conseguindo oferecer habitação, educação, alimentação, qualificação profissional, segurança e saúde para toda população. O que fez com que a nação entrasse em um círculo vicioso que mais tarde passou a impedir sua recuperação social, econômica, e tecnológica.

Já na segunda parte a política vigente passou a ser neoliberal e especulativa, com uma participação econômica do Estado bem menor, privatizando estatais, arrendando sua infraestrutura, abrindo mão do controle do fluxo de capitais, do câmbio e da inflação. Com isso menos empregos foram gerados, as grandes fortunas passaram a ser menos tributadas e o crescimento médio anual caiu significativamente.

Diante dessa situação a dívida pública acabou aumentando ainda mais, a renda da população se tornou mais concentrada e a dependência científica e tecnológica em relação aos países desenvolvidos passou a ser bem maior. Além disso a participação do setor industrial diminuiu bastante, perdendo espaço para o agronegócio e seus commodities, diminuindo a competitividade internacional do país e agravando a deterioração do seu meio ambiente.

Eugênio lembrou que políticas públicas compensatórias tinham sido planejadas e implantadas, mas acabaram se mostrando insuficientes. Elas produziram apenas resultados pífios diante do tamanho da população e das necessidades que a mesma possuía. O que comprometia seriamente a soberania e o desenvolvimento dos próximos cinquenta anos.

O país poderia até ser invadido por alguma potência de plantão, que tivesse melhores ideias e maior capacidade financeira para aproveitar todos os recursos naturais, humanos e materiais disponíveis. Pior que isso. Ele poderia ser esquecido, recolhendo-se à sua histórica insignificância no cenário mundial.

Por essas e outras Eugênio tinha certeza que ele e seu partido precisavam de muito mais ideias e de muito mais tempo no poder para implantar mudanças que alterassem o rumo das coisas. Permitindo reconstruir as bases para que houvesse um futuro melhor, mais democrático e mais justo. E impedisse o aumento da dependência de tantos produtos industrializados importados, especialmente os chineses.

Retornou do seu rápido tour pelo passado, chamou sua secretária e pediu um lanche reforçado. Em seguida, ele correu para o banheiro para tentar esquecer tudo e se concentrar por um momento apenas na edição das novas medidas que há tempos vinha elaborando. Mas sem ter a coragem de se expor, claro.

Ele queria reduzir todos os impostos e taxas cobradas no comércio e na indústria, igualar todas as alíquotas país afora, expandir o financiamento para pequenos e médios empresários, ampliar e melhorar a infraestrutura (portos, aeroportos, rodovias e ferrovias) existente, sair do Mercosul para não carregar mais "peso morto" nas costas e ainda privatizar algumas empresas controladas pelo governo.

A ideia também incluía o fim do monopólio do petróleo, a permissão para importação barata de tecnologia de ponta, o incentivo a instalação de empresas estrangeiras no país, a qualificação em massa de empregados do setor, a privatização da Previdência Social e a redução da incidência dos encargos sociais.

Além de promover gradativamente uma menor interferência do Estado em toda a economia. Algo que atualmente já se encontrava em torno de uns 40%. Número considerado exagerado para um país que enchia a boca para se dizer "moderno e capitalista".

Tudo isso teria o poder de diminuir a taxa de desemprego, reduzir drasticamente os custos internos de produção e também aumentar a concorrência no mercado. Tendo como consequência a fabricação de uma maior variedade de produtos, mais qualidade, menores preços e mais competitividade.

Ele desejava ainda rever o Orçamento da União e destinar mais recursos para a Educação e a Saúde, reduzindo os investimentos em algumas áreas. Tinha certeza que na maioria delas a iniciativa privada poderia ter um desempenho muito superior ao do Estado, sobrando dinheiro para aquilo que realmente importava para um futuro melhor.

Também pensava em descontinuar os programas sociais em curso. Já que eles produziam efeitos maléficos, que deixavam as pessoas menos propensas ao estudo e ao trabalho (vale ralé, vale pobreza, etc ...), tornando-as dependentes de um Estado inchado, paternalista e quase falido.

Se nada disso fosse considerado e aprovado, Eugênio ainda tinha uma "carta na manga". Pensava em sugerir medidas que concedessem mais benefícios para o agronegócio, atuando em conjunto com seu dileto colega do Ministério da Agricultura. Mesmo sabendo como era nefasto para a nação depender basicamente da instabilidade do mercado de commodities.

Para tanto, os dois já tinham elaborado um plano de subvenção detalhado e generoso (copiado de outro país) que estava de acordo com a ideologia bolivariana do partido governante. Bem ao gosto dos retrógrados membros da atual cúpula e com um nome bastante sugestivo: SAFRA. Genial. E "inédito" também. Mãe de Deus! PT, saudações.

Mello Cunha
Enviado por Mello Cunha em 03/09/2016
Reeditado em 16/09/2016
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