O Divórcio Colorido

Em torno dos seis meses após o divorcio, uma noite, ao deitar, surgiu dentro do íntimo de Ifigênia um sentimento de liberdade e euforia. Olhou as paredes do quarto, verificou a cor cinza das paredes já bastante desbotada e sentiu uma mistura de raiva, frustração e tristeza. Podemos definir esse sentimento com uma palavra: desamparo.

Nesse momento, uma vontade imensa de reagir, à leva a pensar numa noite de vingança por todos os anos que passou submissa ao lado de um homem dominador. Pegou uma lata de tinta rosa guardada no fundo de uma prateleira e de uma maneira tresloucada saiu pintando o quarto todo. A cor cinza desapareceu e a rosa “Pink” reinou soberana. Afinal de contas o quarto agora é todo seu. Mas Ifigênia queria mais, assim sendo, abriu seu baú e de lá retirou uma camisola de flanela estampada com flores de cor lilás, comprida até o pé, golinha alta de rendinha branca que a sua avó lhe dera no seu chá de panela de trinta anos atrás. Vestiu-a pela primeira vez, sentindo o conforto e a felicidade de um novo mundo colorido, onde a sua vontade era soberana. Tirou da embalagem o esmalte marrom que foi comprado na liquidação e que ela não podia usar. Pintou as unhas todas. Seus cabelos brancos se revestiram de amarelo com a tinta guardada por muito tempo.

Deitou tranquila com sonhos em azul.

Os anos se passaram. De vez em quando, com os olhos cheios de lágrimas, lembrava daquele bife acebolado (único no mundo) que seu marido fazia. Pensava se ele estava sozinho ainda e vinha aquele desejo de trazê-lo de volta. Quando isso acontecia, pegava a caixa de lápis de cor, escolhia o verde acinzentado (a cor predileta dele) e o guardava na sua caixinha cor de rosa, assegurando assim a sua tranqüilidade.

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Heloísa Mamede
Enviado por Heloísa Mamede em 27/08/2016
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