A TELESPECTADORA FIEL
Dona Mariinha gostava muito de novelas. A dona de casa assistia a todas elas enquanto passava as peças de roupa. Ela era uma telespectadora fiel. A viúva lavava roupas para uma grande clientela. Dona Mariinha aproveitou a clientela que comprava cosméticos a seu marido e disponibilizou-se a lavar a roupa dessas pessoas. A lavadeira tornou-se pai e mãe de seus quatro filhos. A casa onde ela morava possuia apenas dois quartos, um deles ocupado pelos filhos com idade entre 6 a 10 anos. As únicas peças de luxo naquela residência eram o ferro elétrico e um aparelho de tv doado por uma senhora rica. Todas as tardes e noites a lavadeira postava-se em frente a tv e via outro mundo diferente do seu cotidiano. A novela das seis mostrava alguns personagens bem sucedidos e felizes. A alegria daquela gente amenizava as agruras da viúva e trazia um pouco de esperança por dias melhores. A novela das sete trazia personagens glutões que desperdiçavam muita comida. Dona Mariinha condenava aquele desperdício, e consideravava um ato abominável. Às vezes ela socava a tv com muita raiva daqueles personagens. Mas gostava da mocinha magrinha desta novela, embora recriminasse a ingenuidade desta protagonista. Quando aproximava-se a trama da novela das oito, a lavadeira já estava concluindo o seu trabalho. As roupas devidamente passadas e dobradas para no dia seguinte serem entregues a seus respectivos donos. Esta novela não atraía muita a atenção da lavadeira por causa da sua já cansada retina e do sono persistente. No dia seguinte Dona Mariinha ocupava a manhã inteira entregando as roupas lavadas e passadas. Enquanto isso o seu filho mais velho de dez anos orientava os irmãos para encaminhá-los a escola e creche. Quando a lavadeira retornava para casa ainda tinha disposição para comentar com a vizinha sobre a personagem magrinha da novela das sete. Ela dizia para a vizinha: - Um dia ainda dou uns conselhos para Flora. Ela tem que ser mais esperta, e menos ingênua. Certo dia a produção da novela das sete fez algumas locações em vários bairros das periferia. A Vila Rosada foi palco de algumas cenas desta novela. O capítulo 100 de "Flora Florinha" tinha como cenário algumas casas humildes da periferia. A residência da lavadeira foi uma das escolhidas pela produção da novela. Dona Mariinha estava muito feliz por causa daquela oportunidade para dar conselhos a mocinha da trama das sete. Mas aconteceu o que ela não esperava da personagem. A atriz não queria contato com pessoas pobres e praticamente expulsou a lavadeira de sua própria casa. No entanto Dona Mariinha não recriminou a atitude da atriz. Talvez aquele mau humor fora motivado pelas humilhações que a personagem vinha sofrendo ao longo da trama. Porém a lavadeira ficou muito contente por ter "contribuído" com o desenrolar da trama. No outro dia a sua rotina voltou a normalidade, e no final do dia ela ficou na espectativa das cenas gravadas em sua humilde casa. E assim Dona Mariinha encontrava nas novelas o escapismo de uma vida sofrida e cruel. In memorian de Francisca Domingos dos Santos.