DIA DE LIMPEZA*

Suspirou antes de abrir a porta. De novo via estragado seu sábado. Outra discussão com a ex mulher por causa da filha. Meu Deus do céu! O que ela tem na cabeça? Deixar a própria filha ouvir funk e usar aquelas roupas minúsculas. Com só doze anos!

Tudo o que queria era poder entrar em casa e descansar um pouco assistindo um jornal. Bem, na verdade, gostaria mesmo era de jogar um pouco de futebol com o filho, ou qualquer outra coisa do gênero. Mas isso era uma quimera.

-Querida cheguei!

-Até que enfim. Pode ir trocando de roupa por que preciso de ajuda que hoje é dia de limpeza.

-Estava pensando em sair com o Gabriel...

-E me deixar de novo fazendo tudo sozinha! Você não tem consideração mesmo. Só faz bagunça e eu que tenho que arrumar tudo.

-Ah, deixa essas coisas para amanhã. Eu não estou legal. Deixa eu tirar este moleque um pouco da televisão.

-Porque? A piriguetezinha e a piriguetona te pediram mais dinheiro. Você já dá a pensão. Eu não vou deixar elas tirarem mais nada de você. Eu não vou ficar mais um ano com aquela lata velha que você chama de carro!

-Pô esposa. Já te pedi para não chamá-las assim. É minha filha e a mãe dela.

-Ué. Você mesmo reclama. E quanto a mãe dela, vocês não divorciaram por que ela te traiu?

Pôs a mão na testa e começou a massagear as têmporas. Primeira regra para um relacionamento duradouro: Evite fazer confidências. Tudo o que você disser pode e será utilizado contra você um dia.

-Porque? Vai agora defender. Só podia ter te colocado chifre mesmo.

Desistiu. Foi até a sala, ligou a TV e se afundou na poltrona. Quando as coisas desandaram daquele jeito? Não conseguiu educar sua filha. Estava perdendo o caçula, se é que ainda havia algo que pudesse ser feito. Quase nada do seu dinheiro sobrava. O pouco que conseguia guardar tinha que deixar escondido se não elas vinham como aves de rapina e o depenavam. Sentia-se como um condenado, sem julgamento e sem previsão de habeas corpus. Bem, com sorte a mulher talvez o deixasse em paz, pelo menos umas duas horas. De repente o canal mudou para um desenho. Olhou para trás e viu seu filho com o controle remoto:

-O menino! Que falta de educação é essa?! Coloca agora no jornal que eu estava assistindo.

-Você não manda. Quem manda é a mamãe!

-O quê! Vem aqui moleque que você vai aprender a ter respeito com seu pai!

-Para de implicar com o Gabriel! Deixa a criança ver televisão! Não vem descontar no pobrezinho.

-Chupa! E lhe mostrou a língua.

Sentiu a raiva subindo, a garganta fechando. Sabia que estava com o rosto todo vermelho. Sua mão estava fechada e tremia. Se levantou e foi direto para o quintal:

-Mas já vai para rua de novo? Onde você vai, posso saber?

-Vou comprar cigarro! E bateu a porta com força.

-Só faltava essa. Depois de velho vai começar a fumar...

Suspirou antes de abrir a porta. Hoje faziam cinco anos que ele tinha desaparecido. Finalmente conseguira seu atestado de óbito e o direito à pensão. A merda era que a vagabunda da ex dele já queria uma parte do dinheiro. Como será que ela ficou sabendo?

Quem sabe agora poderia se mudar. Mesmo que fosse um barraco na favela. Não aguentava mais morar com seus pais:

-Mãe, cheguei!

-Que bom. Falou ela da cozinha. Seu filho já saiu com aquele menino estranho. Já te falei que aquele moleque é encrenca. E onde já se viu uma criança como a sua, que não tem o menor respeito pelos mais velhos? Eu disse para ele ficar em casa. Não deu nem bola. Onde já se viu!

-Tá bom, mãe. Tá bom.

-Tem uma carta estranha para você. Veio do Iraque.

Pegou a carta e a abriu. Soltou um grito. Dentro dela só tinha a foto de uma moça com um véu na cabeça, segurando um recém nascido. Ao lado, ele. Feliz.

Diogenes R Cardoso
Enviado por Diogenes R Cardoso em 23/08/2016
Reeditado em 08/11/2024
Código do texto: T5737426
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