Carta ao meu pai
Escrevo hoje, próximo a mais um dia dos pais uma carta ao meu maior exemplo de vida. Você.
Sentado no alto de meu meio século de vida, olha para traz e me dói a saudade de seus olhos verdes, entrefechados pelas rugas da idade. Saudade de suas mãos calejadas que me faziam o carinho de antes de dormir, batendo de leve em minhas constas e afastando todos os medos de meu coração de criança. Saudade de sua voz cansada depois de um dia de serviço pesado na construção, mas ainda assim com boa vontade de conversar e contar estórias, sentado na nossa pequena sala perto do televisor preto e branco, seu orgulho (se é que Você tinha este pecado).
Queria hoje caminhar novamente com você. Como quando me chamava em minha casa para irmos comprar milho para as galinhas. De quando caminhávamos lado a lada e mesmo sem palavras você me dizia tudo. Você nunca me disse um “eu te amo”, não com palavras, mas fez de sua vida inteira um discurso que nem o melhor orador do universo poderia sobrepujar.
Você tinha olhos verdes, da cor das folhas secas. Aquele verde clarinho, quase cinza. Era menor do que hoje eu sou hoje, da mesma forma que já sou menor que meu filho mais velho e sei que serei menor que meu filho mais novo. Mas sua estatura moral o fez um gigante. Falhas tinha, com certeza, afinal você era humano. Mas agora olhando em retrospecto não consigo lembrar de nenhuma.
Você me ensinou, não com palavras, mas com ações a amar e valorizar a família. Me ensinou a ser amigo dos amigos e a construir amizades fortes. Não milhares de amizades. Mas amizades fortes. Me ensinou que trabalhar duro não é vergonha e que vergonha na cara não é virtude, é obrigação. Me ensinou a consertar câmara de ar de bicicleta, a fazer concreto, a carregar e jogar tijolos, e que homem não bate em mulher.
Você era analfabeto, só sabia assinar o seu nome e conhecia só as quatro operações. Eu falo três línguas, tenho faculdade, cursos e o diabo a quatro, mas queria ter a metade da sua sabedoria meu velho pai querido. Você fazia pipoca, banana frita, bala puxa-puxa, doce de leite, fazia pernil e peru assado no natal. Você era pedreiro, bombeiro e eletricista. Você sabia tudo e me ensinou muito. Você sentava para ouvir Zé Bétio (só quem é da roça e da minha idade para lá sabe o que é, procurem no Google) e gostava de assistir James West comigo (a série, não este arremedo que foi o filme).
Você se foi cedo, sempre é cedo, não é? Viu meu primeiro filho nascer, mas não meu segundo. Não me viu comprar meu primeiro carro nem entrar na faculdade nem viu meu casamento acabar e não meu viu casar de novo (você ia gostara de minha esposa pai). Você tinha orgulho de mim, e tentei sempre justificar este orgulho. Rezo a Deus que tenha conseguido. Porque eu sempre tive orgulho daquelas mãos calejadas e sorriso manso que Você tinha. Orgulho da sua voz rouca que botava respeito em quem ouvia. Orgulho do ciúme que minha mãezinha tinha de você.
Ao contrário da música de Fabio Junior, Você não foi “meu herói meu bandido”. Você foi só meu herói, meu maior herói. O amigo certo nas horas incertas. E quando minha mãe se foi me deu a honra de ser seu confidente, me elevando do status de filho ao de amigo.
Hoje sou pai e me desespero ao pensar que meus filhos possam passar dificuldades, que algo lhes falte. Hoje tudo que queria era poder me deitar em suas pernas como quando era uma criança e ali me sentir seguro e protegido do mundo e de todas as suas maldades. Imagino então como você também deve ter se sentido assim tantas vezes e, como eu estou agora, não ter mais a quem recorrer.
Pai, sei que onde quer que esteja você olha por mim. Eu queria que estas palavras vagando no éter chegassem a teu coração. Queria que soubesse que sinto saudades, que continuo lutando para que tenha orgulho de mim. E ainda que a batalha seja dura eu continuo lutando. Ainda que a lua seja injusta e os inimigos muitos eu continuo lutando . Que seu neto tem os olhos de minha mãe, e que sinto falta de você.
Com muitas saudades, do filho que te ama.