COLEGAS*
-Querida cheguei! Deixou a pasta na mesa da sala e foi direto para a cozinha como fazia sempre. A esposa e a filha adolescente o esperavam sentadas em frente a mesa de jantar.
-Então amor, como é que foi?
-Fala pai, como é o serviço novo?
-Calma, calma! Deixa eu chegar primeiro. Deu um selinho na mulher, um beijo na bochecha da garota e foi até a geladeira. Pegou uma cerveja.
-Fala logo, pai!
-Normal. Um RH como outro qualquer. Mais moderno do que o da outra, é verdade. Mas afinal de contas a empresa é de software, outro nível. Mas as questões trabalhistas não mudam. Hoje passei o dia vendo os protocolos de atendimento e os registros dos funcionários. Disse tudo isso enquanto revirava um dos armários. Pegou por fim um pacote de bolachas salgadas. Sentou-se na outra ponta da mesa, abriu a cerveja e bebeu quase metade de um gole só.
-Aaaahhhh! Precisava disso.
-E como são os seus colegas?
-Normais. É uma turma até que grande. Somos em sete. Sem contar uma que está de férias e outra de licença maternidade.
-Nossa, muita gente. A empresa é grande assim?
-Até que não. Quinhentos empregados em média. Mas muitos tipos de contratos diferentes entre si. Muito complexo.
-Você não entendeu, pai. O que a mãe está querendo perguntar é: Como são AS suas colegas?
-Aaahh! Entendi. É só eu e o supervisor de homem.
-E qual a idade delas? O tom indicava perigo...
-Na casa dos quarenta, como eu, só uma. O resto tudo abaixo de trinta e cinco. Tem três estagiárias que estão na faculdade.
-Sério... E mesmo assim você não lembrou de comprar uma aliança de bijuteria na estação da Sé quando fez a baldeação, não é? Para substituir a que o "ladrão" levou...
A filha sorri maliciosa e se levanta. A coisa promete:
-Pára mãe. O papai é um homem sério. Não é, papai?
-Na verdade eu nem disse que era casado. E nem vou dizer...
A mulher se levanta em um salto:
-Você o quê?! A RI O VAL DO, Você está louco?!
-Calma amor. Calma. Eu faço isso em nome dos sagrados votos de nosso matrimônio e da garantia do emprego. Calma. Deixa eu explicar.
-Quaquaqua! Pai, eu se fosse você corria! Antes que a mãe peque o pau de macarrão ou a faca.
-Lembra do prédinho que eu morava quando a gente se conheceu, querida?
-Sei, aquele muquifo na Cesário Mota Júnior, perto da Praça Roosevelt. Sei, o que é que tem?
-Então, o supervisor mora exatamente nele. Contou quando saímos para almoçar. Até aí, eu estava sendo seríssimo, absolutamente profissional. Só falando coisas de serviço.
-Sei... E quem foi nesse almoço?
-Todo mundo do setor. Foi em um por quilo ali perto.
-Continua...
-Então. Ele perguntou onde estudei, disse que fiz Mackenzie, ele disse que morava lá perto, e tal. Quando ele falou da rua e do prédio, me empolguei e comecei a falar que frequentava os teatros, corria de madrugada no Minhocão, comprava marmita das baianas e comia junto com os travestis.
-Você fazia isso, pai?
-Ele fazia filha. Eu morria de vergonha. Mas o que a gente não suporta quando está apaixonada. Mas o que tem isso a ver?
-É que eu dividia o apartamento com outro estudante. A gente fazia muito dessas loucuras juntos. Na hora que eu estava contando saiu: Eu e o cara que eu VIVIA junto!
-Quaquaquaquaqua! As duas riam solto. Quando pararam um pouco ele disse, desolado:
-O pior nem é isso. Antes de sair o supervisor, o cara que depende minha contratação, me convidou para assistir uma peça no teatro Studio 184...