SELEÇÃO BRASILEIRA: O fim de uma História
Olhando para o relógio, João Eurico aguardava ansioso pela chegada do seu melhor amigo José Ricardo. Ele devia estar atrasado por causa do trânsito, já que todos haviam sido dispensados do trabalho no final da manhã para assistirem a esperada estreia do escrete canarinho. O resto da turma não havia manifestado interesse em se reunir e participar.
Já aflito, ele começou a tomar algumas pequenas providências: pegou o controle remoto, ligou a televisão novinha em folha, escolheu o canal, aumentou o volume, pegou os copos, picou um queijo mofado para tira-gosto e colocou algumas cervejas dentro do freezer. Faltavam ainda vinte entediantes minutos para o início de outra emocionante partida de uma nova edição da Copa do Mundo.
José chegou em cima da hora. Entrou sem bater, cumprimentou João sem formalidades, sentou-se no melhor lugar do sofá e começou a falar sobre as possíveis causas do insucesso contínuo da seleção de futebol de seu país, sem que seu amigo lhe perguntasse nada e ainda fingisse não prestar a mínima atenção.
Para começar ele disse que havia trocas em excesso no comando, as convocações eram equivocadas e os jogadores que tinham muita fama e dinheiro não possuíam o menor interesse em representar seu país de modo competitivo. Aquele empenho era perigoso e desnecessário, não existindo nenhum sentimento patriótico que fizesse o risco valer a pena.
Em seguida, enfatizou que a maioria deles não passava de um bando de mercenários de origem humilde, jogando para quem lhes fizesse a melhor oferta. Sem demonstrar boa vontade, gestos de camaradagem ou qualquer tipo de entrosamento com jogadores que não estivessem do seu lado em um clube que pagasse bem e em dia. E de preferência que fosse na Europa Ocidental.
Falou ainda que os times nativos formavam novos jogadores apenas pensando em vende-los para as grandes equipes das nações desenvolvidas. E que esses não sentiam nenhum tipo de apego pelo clube, pela cidade e ou pelo país em que tinham sido criados. Viviam ligando para seus empresários e mirando a linha do horizonte, ansiando pela hora de partirem rumo à civilização e ao tão desejado “pote de ouro”.
Ele lembrou que os campeonatos locais eram de um nível muito baixo, com poucos torcedores fiéis, poucos gols e raras jogadas de efeito. Sendo sempre disputados de uma forma muito violenta, com vários agarrões, rasteiras, carrinhos, empurrões, cartões, malandragens, golpes baixos, chutões, barreiras móveis e faltas sem nenhum sentido.
Além de tudo isso, ainda haviam os inúmeros erros crassos cometidos pelos árbitros e seus assistentes em lances decisivos. Gente considerada como pouco confiável, frouxa e permissiva. Que insistia em matar de tédio e de raiva todo e qualquer expectador que conhecesse minimamente as regras desse famoso esporte bretão.
Para completar José fez questão de afirmar que as equipes tupiniquins baseavam seu estilo de jogo em filosofias e táticas consideradas ultrapassadas, encaradas como extremamente defensivas e feias. Boa parte dos técnicos eram velhos e despreparados, adorando privilegiar aspectos que as pessoas não demonstravam muito interesse em presenciar.
Não por acaso as médias de público eram cada vez menores, um terço dos presentes não pagava para assistir, os acessos aos estádios eram limitados e com trânsito caótico, os ingressos eram caros, a televisão transmitia uma quantidade enorme de partidas ruins e os poucos torcedores que compareciam tinham predileção por apedrejar, brigar, linchar, atirar, matar e depredar.
Ao final José se sentiu confiante o suficiente para provocar, desejando ver qualquer tipo de reação na face do soturno amigo João. Inflou o peito e falou mais alto, profetizando à queima roupa: “Escreve aí o que eu vou te dizer, meu chapa. Nós nunca mais vamos ganhar uma Copa do Mundo. Não tem mais jeito. Tá na cara meu velho. Só não vê quem não quer”.
João Eurico levantou a cabeça e olhou incrédulo bem no fundo dos olhos do amigo José Ricardo. Pegou a cerveja dentro do freezer, abriu, encheu os copos, tomou um gole longo, engoliu um pedaço de queijo e falou pela primeira vez com voz firme e ameaçadora: “Zé. Agora vê se cala essa sua boca maldita, pois já vai começar o jogo da seleção pentacampeã. Torce aí senão eu vou ligar para sua mulher mandando ela vir te buscar”.
No que foi prontamente atendido pelo seu mais fiel e ousado companheiro de jornada: “Então tá bom. Se você prefere assim, assim será. VAMOS LÁ BRASIL!!!”