A ÚLTIMA FESTA

Havia muitas pessoas nesta última festa, pessoas que Dona Joaquina só encontrara uma vez na vida e pessoas que fizera parte de um longa jornada. Tios, filhos, irmãos, genros, primos, sobrinhos, amigos, colegas, vizinhos, sua manicure e desconhecidos querendo homenageá-la.

Era um ambiente pequeno com várias cadeiras envolta da anfitriã, uma sala quatro e por cinco metros quadrados, muito abafada pela quantidade de visitantes e apenas um ventilador de teto que fazia seu típico rangido tentando refrescá-los. Muito calor. Habitual clima nordestino daquela pequena cidade. Ela queria que sua última festa fosse ali. Desejo realizado.

Um município humilde em que andar a jegue era normal. Ônibus somente duas vezes por dia para levar e trazer os trabalhadores das cidades vizinhas. Não havia hospital, nem mesmo médico, somente uma curandeira que receitava chás e bebidas amargas aos enfermos. Uma única escola e duas pequenas igrejas e é claro como de costume tinha uma praça em que os jovens amavam flertar suas paqueras.

Fora nesse local que Jojo, nome carinhoso que Moacir, seu filho, apelidou-a, nascera e viveu até seus vinte e poucos anos com seus pais. Mudara após se casar com seu único homem que descanse em paz. Porém, mesmo após cinquenta e quatro anos nunca esquecera de sua cidade natal e decidiu que hoje ela retornaria para poder comemorar sua festa: “Um bom filho à casa torna”.

Meio dia.

O sol estava insuportável. Flávia, genra, mulher de classe media alta, paulista, advogada, não estava preocupada com os sofrimentos alheios mas sim com a sua maquiagem que estava derretendo por causa do suor e assim começava a aparecer alguns pés de galinha e sardas que havia conseguido esconder. O calor limpava toda essa massa falsa e mostrava sua verdadeira face. Impaciente, alterava-se um pouco com os convidados, olhava-os com desdém por se vestirem tão mal ao contrário dela que usava seu tailleur preto, sapato de bico fino todo fechado e um colar de pérolas. Verão nordestino.

Flávia pouco se importava com as pessoas, foi à festa apenas por obrigação social.

Uma e meia.

A festa continuava e iam chegando mais convidados, quase ninguém levava presente. Uma vez ou outra chegava algumas flores. Brancas, amarelas, roxas...

Vários grupinhos se formaram e todos falavam sobre o mesmo assunto: Dona Joaquina. Para aqueles que passaram a infância com ela, diziam que adorava brincar de pular corda e sair correndo para bater nos meninos. Criança valente. Já para os amigos de seu falecido marido, diziam que ela sempre foi fiel e soube respeitá-lo, deu-lhe amor, em síntese, soube cumprir com seu dever de mulher.

Um homem chorava muito, estava abatido, perdido em meio a multidão. Ele não aceitava estar naquele lugar, questionava a vida, o mundo, o universo, questionava Deus ou qualquer outra força maior que existisse, culpava-O. Não entendia, estava revoltado. Culpava-se. Culpava qualquer um que puxasse assunto com ele. É o caçula, Moacir, um de seus três filhos.

Sempre foi muito apegado à sua mãe, jamais se interessou por outra mulher. Acreditava que sua missão aqui na terra era protegê-la. Homem inseguro desde criança e com muitos medos. Moacir aos sete anos chorara por estar com medo de viver pois sabia que essa vida teria um fim, a morte. Não entendia porque nada podia ser eterno. Ele queria mudar o mundo, mudar o ciclo natural da vida e assim levou esse temor até os dias de hoje.

Três horas.

Flávia não aguentava mais ficar em pé ao meio daquela multidão cheirando suor de desconhecidos. Ia ao banheiro a cada quinze minutos para retocar a maquiagem. Não bebeu e não comeu nada pois sentia nojo. A boca dela estava seca, mas hidratada pelo uso contínuo do batom que comprou em uma de suas viagens no exterior.

Três e meia.

Chega uma senhora de cabelos brancos e uma aparência bem cansada, vestia uma roupa simples mas limpa - camisa branca e calça bege. Cores amenas, semelhante aquela bandeira branca quando os soldados levantam se rendendo ao destino, ela estava em missão de paz, sem intenção de criar lides, emocionalmente contida, porém quem observasse melhor percebia que havia um profundo olhar de tristeza. Entrou em silêncio, poucos a notaram. Andou lentamente até a homenageada, colocou suas mãos em cima dela por alguns segundos e fechou os olhos. Perdão, minha irmã. Em um murmúrio muito baixo ela disse.

Uma lágrima escorreu, ela enxugou discretamente e se retirou do local. Não quis ficar até a festa acabar.

Quatro e quarenta e cinco

Faltavam poucos minutos para o grand finale. Os convidados nesse momento pouco importavam com a Dona Joaquina, muitos riam alto e falavam sobre seus namoros, aventuras que não deram certo, traições... Conversavam sobre novela, do galã que se divorciou. Homens falavam de futebol, de bunda e samba. Os adolescentes trocavam olhares entre si. Somente Moacir permanecia quieto, sentado, isolado, olhando para mãe de longe.

Cinco horas

Todos caminhavam juntos. O sapato bico fino preto de Flávia já estava imundo devido a rua ser de terra.

Moacir caminhou ao lado da Jojo lentamente, nenhum convidado neste momento ousava em pronunciar algo. Pleno silêncio.

Seis horas.

O segundo ambiente era muito grande, media aproximadamente um quarteirão, era pouco habitado pois esse bairro foi construído recentemente.

Os filhos haviam comprado perpetuamente uma casa para Joaquina como ela quisera naquela pequena cidade, era a casa mais bonita que havia naquele bairro, feita de mármore preto com detalhes de metais que lembravam o ouro. Seu nome estava escrito em cobre a data de aniversário e de sua última festa também. Não tinha vizinhos por enquanto, o mais próximo era na outra esquina, um menino recém-nascido que optou por morar lá, mas não se sabem o motivo ao certo, uns disseram que foi olho gordo. Bebê de olhos azuis, muito lindo e angelical.

Colocaram ela em sua casa e lacrou a porta. Simultaneamente todos deram as mãos formando um circulo em volta de sua morada e fizeram um minuto de silencio.

Após o ritual, despediram-se e foram embora para suas casas.

Daqui a sete dias alguns deles se encontrariam numa igreja qualquer.

Anderson Nakai
Enviado por Anderson Nakai em 02/08/2016
Reeditado em 02/08/2016
Código do texto: T5716534
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