Silêncio

No meio do trânsito da grande metrópole, sob o sol ardente escuto ecos de brados entrecortados pelo teor da mistura de sons:

– Andem, vão logo, vai... vai... passa a grana pela janela senão atiro... vai... mano, quer levar tiro na cabeça, éh?...

Chegam algumas viaturas, mas ninguém ousa deixar o carro. Enquanto os lojistas e os pedestres se escondem no possível esconderijo mais próximo, outros simplesmente ficam paralisados à mercê da sorte ou do destino.

Ao meio-dia fui a uma lanchonete, só que desta vez os brados transmitiam um teor de tranquilidade por parte do emissor, que se encontrava sentado num banquinho com as pernas bambas à beira do balcão; sujeito aparentemente de boa vista:

– Vai, anda logo... vamos facilitar. Ninguém aqui quer levar tiro... não... não... não... passa até as moedas.

Passando por um posto de gasolina, lá vinham os brados novamente:

– Quer que eu enfio essa faca no seu pescoço? Vai!... quero todos os money.

Atravessando uma esquina para ir à banca de jornal, em vez de brados agora era como se ouvisse gemidos de alguma cria.

Olho rapidamente:

O corpo jazia na calçada com um semblante vívido que em poucos instantes ia se desfazendo.

Em meio à multidão volto ao meu apartamento, e ao atravessar a rua deparo com uma criança puxando minha camisa:

– Tio, tio compra essas balas.

Consumido pela substância amarga da repugnância, ignoro a criança completamente, e a dez passos adiante, escuto:

– Puff, Puff, você não volta pra casa enquanto não vender isso hein, moleque!

Chegando ao apartamento ligo a televisão:

– Tentativa de assalto à mão armada... assassinato na rua... crianças de rua apanham... jogos olímpicos... turistas... Assista mais – Brasil: a violência e o ódio, no nosso canal XXXXX e concorra... sociedade insatisfeita... manifestações ocupam as ruas e avenidas brasileiras... mais um suspeito de corrupção é... mais uma vez estrupo coletivo... – Dói na alma... vítima de bala perdida... mãe chora...

Sentado em meu sofá, olhando pela janela vejo um sujeito precipitar-se a 10 metros de altura. Daqui alguns minutos, pessoas passam diante do corpo e fazem um gesto oratório; uma hora depois chega a ambulância. Troco de canal, coloco na novela enquanto vejo mulher gostosa na tela do celular. Pego meu whisky baratinho, que comprei hoje na lanchonete na hora do almoço, ligo um som alto e começo a cantar.

Antes de dormir escuto um forte som de brecada, aposto que amanhã cedo já estará no noticiário. Acordo no meio da noite com o mau hálito de um vento gelado e corro em direção à janela. Fecho-a, pois está chovendo. Pego novamente um copo de whisky e vou me deitar; antes disso meu celular vibra. Entro na página... e os meus olhos esbugalhados memorizam inconscientemente:

– Mais uma vítima... encontrou-se bebida alcoólica...

Bebo selvagemente a bebida, deito-me e penso: pelo menos não foi comigo. Algumas horas depois desligo o despertador; acordo dali a dez minutos e me preparo para o mesmo outro dia.

G M Menino
Enviado por G M Menino em 02/08/2016
Reeditado em 06/09/2016
Código do texto: T5716260
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