PASSEIO TURÍSTICO*
Iria ganhar um bom dinheiro por um serviço fácil. Servir de guia turístico para um grupo de turistas do Iraque, da Africa do Sul, da Nigéria e da Colômbia, que iria ver um confronto de suas seleções no próximo dia na Arena Corinthians. Foi o que pensou quando aceitou o serviço. Tinha inglês, espanhol e árabe fluente e já tinha servido de tradutor para alguns estrangeiros. Geralmente muçulmanos mais tradicionais ou mais pobres. Mas era muito ocasional. Os barões do petróleo pagavam mulheres gostosas com a mesma habilidade. Os mais humildes sempre tinham um parente em São Paulo para servir de cicerone.
Os esperava em frente da estação da Luz, do lado do parque. Queria evitar passar pelo outro lado. Mesmo lotado de Guardas Municipais, ainda era muito feio. E para piorar estava abarrotado de prostitutas e travestis querendo ganhar um pouco de ouro olímpico. Situação sobre a qual os pobres servidores da prefeitura não podiam fazer nada. A Vigilância Sanitária até tinham fechado uns três ou quatro hotéis treme-treme por alguns dias, mas isso só fez aumentar as diárias dos melhores. Em um dos bares tinha até na parede uma taxa de câmbio do dólar, euro, yuan e outras moedas para o real. Na verdade a agência tinha dado recomendação de apenas levá-los de trem até o Itaquerão. O plano era ir pela entrada subterrânea ao lado da Pinacoteca, já que a entrada lateral estava interditada. Pretendia segui-lo a risca.
O ônibus chegou. Foi analisando-os enquanto desciam. Os cinco primeiros eram brancos de dar réstia. Saíram quase correndo, falando em um idioma estranhíssimo. Afrikâner? Sul- africanos brancos? Mas estes caras não gostam de futebol? Coitados, o clima deveria estar pesado para eles lá dentro. Depois veio um grupo de animado de dez pessoas conversando em espanhol. Colombianos. Desceram outros dez, seis com roupas típicas africanas. Formavam três grupos animados. Cada um deles falando uma língua diferente. Mas sua experiência dizia que todos entendiam inglês. Nigerianos. O próximo grupo era o dos iraquianos. Cinco. Todos sunitas, trajes sociais simples. Os xiitas estavam com outro guia. Recomendação da Polícia Federal. E, "last but not the least", dez negros da África do Sul. Terno e gravata e as três mulheres elegantíssimas. Fez seu "speach" e tentou levá-los para o trem. Todos reclamaram. Queriam, cada um por razões diferentes, conhecer o Centro. E o cliente sempre tem razão. Levou-os até o Parque da Luz e foi fazendo as explicações nas três línguas.
-Está é a Estação da Luz. Inaugurada em 1865, seu projeto atual foi feito pelo renomado arquiteto inglês de estações ferroviárias Charles Henry Driver e ficou pronto em 1900. Mesmo ano de sua morte. Foi o grande centro de circulação de pessoas na cidade até 1946, quando sofreu um grande incêndio. Foi reformada, mas com a decadência dos transportes ferroviários no Brasil, sofreu enorme degradação com o tempo. Assim como seu entorno. Desde a década de 90 se vêm fazendo um trabalho de restauração. Eu acredito estar funcionando. Mas só quem viu este lugar há vinte anos acreditaria nisso. Foi integrado a ela um Museu da Língua Portuguesa que está sendo reformado devido a outro incêndio em dezembro de 2015. Este é um lugar que realmente pega fogo.
Olhou para o lindo edifício de tijolos a vista à sua frente. Era a sua salvação. Foi conduzindo o grupo em direção a ele:
-Esta é a Pinacoteca do Estado de São Paulo. Um dos mais importantes museus do Brasil. Tem um acervo de mais de dez mil peças, principalmente de pinturas brasileiras do século XIX e XX. Projetado por Ramos de Azevedo e Domiziano Rossi, em estilo neorrenascentista. Graças a doações de particulares, e da influência de seus arquitetos, quase todos os materiais foram importados. Foi construído em 1900. Primeiro abrigou o Liceu de Artes e Ofícios, mas em 1905 foi transformado em um museu...
-Porquê? Um dos nigerianos.
-Bem, a cidade estava começando a se industrializar. Precisava-se de técnicos. Mas quem financiou a obra foram fazendeiros e imigrantes novos-ricos. Fizeram bonito demais, elegante demais. Não funcionava. Tiveram que fazer um mais simples há duzentos metros daqui. Na verdade quase todos os prédios antigos desta região tem esta marca. Vocês querem entrar e conhecê-lo?
Todos declinaram da proposta. Um dos colombianos perguntou sobre uma construção em formato de castelo que se erguia do outro lado das oito pistas da Av. Tiradentes.
-Aquele é o quartel da ROTA. Uma das forças de elite da polícia de São Paulo. Ele também foi projetado por Ramos de Azevedo e é uma réplica de uma fortaleza da Legião Estrangeira no Marrocos. Possui túneis que o ligam a outros edifícios militares e a estação ferroviária. Foi importante na defesa de São Paulo em várias revoltas locais.
-Ouvi falar muito mal desta região da cidade. Mas os índices de diminuição da criminalidade deste local são impressionantes. O que aconteceu? Era um dos negros sul africanos engravatados. Putz! Que roubada! O cara é do governo de lá. A criminalidade deles deixa a brasileira no chinelo. O cara vai querer fuçar tudo. Lá se vai o dinheiro fácil...
-Então... Como eu disse esta região se degradou muito. Chegou a um ponto que todo o bairro era tomado por usuários de drogas durante a noite e em determinados locais durante o dia inteiro. Era complicado porque esta deve ser a região com maior concentração de policiais por metro quadrado do planeta. Tem a que vocês viram, atrás dela tem a Cavalaria e um batalhão da polícia de Choque. Também a Companhia de Musica, um centro médico, um depósito, a Corregedoria, o Centro Administrativo, o centro de educação física, uma escola para os filhos dos policiais. Além de uma capela militar em honra a Santo Expedito, padroeiro das causas urgentes para. Acredito que eles escolheram este porque quem chama a polícia queira que ela chegue logo. Depois deste parque está o comando de policiamento da capital. Se formos na outra direção encontraremos o DEIC, o maior setor de polícia investigativa do Brasil. Estão vendo aquele prédio bege ali? Então, todo ele é esse departamento. Tudo isso e mais ainda em menos de dois quilômetros quadrados. Há uns dez anos fizeram uma tentativa de limpar o lugar através de repressão. Não deu certo porque eles se espalharam por todas as regiões de grande comércio ao redor. Então eles foram reprimindo em lugares específicos e deixando outros liberados. Agora ficam todos praticamente em uma rua só onde tudo é permitido.
Quatro nigerianos e os brancos sul africanos instantaneamente se mostraram muito mais atentos. O almofadinha só ouvia interessado. Mas antes que qualquer um deles falasse alguma coisa um dos iraquianos, visivelmente enfadado com o assunto, perguntou em árabe:
-Onde fica a José Paulino?
Não! Não! Era a visão do inferno! Ser guia de quarenta estrangeiros na segunda rua de comércio paulistana mais movimentada. Tentou transparecer naturalidade:
-Porque?
-Um primo meu tem uma lojinha lá.
Uma senhora fala em afrikâner, no que uma mais jovem, provavelmente sua filha, fala em inglês.
-Nós queremos ir nessa rua que você falou, onde ficam todos os usuários.
O grupo de quatro nigerianos em roupas comuns tinha se afastado e ficaram em volta de um que falava no celular no idioma de sua tribo. Este também veio:
-Nós queremos ir na Estação Júlio Prestes.
Coisa estranha do catzo? Os caras vêm do fim do mundo para aqui e querem visitar o lugar mais sujo e horripilante de São Paulo? Entendeu e respirou fundo:
-Vamos fazer o seguinte, já que temos muitas pessoas com interesses diferentes. (em árabe) Amigo, você pode ir com seus compatriotas visitar seu primo? A rua que você procura é a primeira a direita, depois do parque. A mais agitada. Não tem como errar. Nos encontramos aqui em duas horas. Vocês me ligam se acontecer qualquer coisa que eu venho voando.
-Sim, assim está bom. E foram
-(em espanhol) Senhores, aqui nessa região tem muita imigração latino americana. A direita está nosso maior centro de vendas de vestiário. A esquerda o de eletrônicos. Procurem pela Rua Santa Efigênia. Nos encontramos aqui em duas horas, pode ser? Qualquer coisa me liguem que eu vou voando.
-Tudo bem. E foram
Se aproximou do grupo que tinha pedido para ir na estação Júlio Prestes e falou baixinho:
-Eu sei que vocês falaram com alguém de vocês que está aqui. Aquele "white trash" (lixo branco) também tem alguém lá. Por amor... Seus amigos podem encontrá-lo? O nigeriano primeiro olha assustado, depois acena afirmativamente.
Chamou os sul africanos brancos para conversar também:
-Eu sei o que está acontecendo aqui e vocês vão ter que confiar em mim. Vocês vão acompanhar aqueles quatro nigerianos até outra estação de trem. Lá tudo se resolve. Eles acenam afirmativamente com olhar assustado.
Ele os ensina como ir e eles saem. Acompanha o resto do grupo em outros lugares. Sem esperança de receber pelo serviço depois dessa patranhada, faz tudo se divertindo. Os colombianos e os iraquianos voltam contentes depois de duas horas. Pegam o Expresso Leste para o estádio. No dia seguinte passa na agência esperando receber um pedido nada educado para nunca mais aparecer. A diretora lhe diz que seu tour foi muito elogiado. A família branca deixou uma gorjeta três vezes maior do que esperava não receber.