Premonição

Teodoro caminhava pelas ruas movimentadas do centro da cidade. Fazia a ronda como o habitual. Não seguia como seus colegas de farda, naquela lentidão aparentemente displicente, porém, em verdade, estratégica. Ao caminhar lentamente, os policiais captavam melhor a atmosfera do ambiente, os movimentos, os ânimos dos transeuntes. Talvez não pensassem assim. Talvez não o tivessem aprendido na academia. Poderia ser algo genético, um costume aprendido e passado de geração em geração, e que, atualmente, fizesse parte da inteligência policial.

Teodoro, entretanto, não caminhava deste modo. Nem companhia tinha. Caminhava solitário pelas ruas, o olhar perdido vagando de um lado a outro. Não estava perdido nem andava a esmo. Sabia de onde vinha e, de algum modo, sabia que tinha um ponto final a chegar. Fazia uma pequena investigação particular. Observara, havia alguns momentos, certo movimento, à distância, entre dois ônibus. Parecia loucura, era pleno dia. Não ouvira gritos nem tumultos. Sequer correria. No entanto, sabia que algo de errado tinha acontecido.

Ligou para a central, queria saber se alguma reclamação fora registrada. Nada. Talvez o gesto resignado de algum cidadão acostumado com a violência nossa de cada dia. Ou a perda tenha sido tão pequena que pudesse ser desconsiderada. Lembrou de uma frase antiga de algum poeta, ouvida em seus tempos de escola, que dizia algo do tipo “Bem está o que bem acaba”, ou algo assim. Teodoro, então, estaria errado. Se não há reclamação, nem vítima, então não há crime. A vítima é vítima se assim se considera. Ou não?

Deveria Teodoro seguir em frente e buscar o equilíbrio social perdido? Estaria esse desequilíbrio em outro lugar? Não fora, mas dentro de seu peito, incrustado em sua alma?

‘E agora, Teodoro? O que te perturbas?’ Perguntava para si. Teria realmente visto algo? Algo de errado realmente ocorrera? Onde estava seu parceiro? Que policial faria a ronda só, contrariando as regras e as determinações superiores?

Fixou rapidamente os olhos no espelho da loja de móveis e eletrodomésticos da esquina, a fim de se certificar de que se encontrava fardado. Precisava de um café.

- Forte e sem açúcar? Perguntou a moça simpática que costumava o atender no bar da rua antiga.

- É. – Respondeu Teodoro, um pouco tenso. Tenso o suficiente para sequer olhar nos olhos da moça ao responder. Foi para o lado de fora da loja. Tirou o boné e deu uma leve abanada sobre o rosto para amenizar o calor. Enxugou um pouco o suor na testa.

- O café.

- Obrigado.

Fez questão de pagar. Os comerciantes da região gostavam de guardar um cafezinho de graça para os policiais que faziam a ronda do dia. O próprio Teodoro já se beneficiara disto em outras ocasiões, mas a perturbação fez com que esquecesse o costume e estressadamente insistisse em pagar. A moça aceitou o dinheiro. Olhou-o estranho. Havia algo de errado com o policial. Algo o perturbava. Parecia tentar solucionar algum crime, mas não parecia ser algo nas ruas. Talvez algo mais íntimo, em seu interior. Ela voltou para o caixa e fingiu não o estar observando.

Teodoro olhou para o relógio. Pôs o copo de café na boca, lentamente, acostumando os lábios à fervura até que pudesse saboreá-lo. Pausa ideal para refletir um pouco... Dois ônibus parados, um ao lado do outro... Um homem correndo entre ambos... Um objeto metálico em suas mãos...

Teodoro estava a aproximadamente cinqüenta metros de distância e, com certeza, não tem problemas de visão. Mas, qual a dúvida? O que efetivamente viu? Onde estava seu parceiro? Por um momento se deu conta de que sequer lembrava o nome dele.

O café talvez não fosse o melhor companheiro agora. Não era manhã, não tinha acabado de acordar. Estava ainda na metade de seu turno e, fora suas preocupações foi um dia tranquilo até então. E já se encontrava em estado de alerta, por conta de sua investigação. Havia algo de podre no ar. E isso também lhe era familiar.

Saiu da rua antiga e voltou à principal. O sinal devia estar fechado, pois não havia carros passando. Teodoro gostava de quando isso ocorria. Geralmente nos fins de tarde, justamente por causa do trânsito grande e inadequado para uma cidade grande porém com baixa auto estima, o suficiente para não perceber que precisaria de ruas mais largas no futuro que agora se materializava. Os carros, assim, ficavam presos no sinal mais à frente.

Fim de tarde, sol já posto, hora mágica. Brisa leve, pássaros cantando. Brevemente, o nó se desfaria e o barulho das buzinas dos carros acabaria com a falsa paz. Mas não foi necessário esperar...

Teodoro olhou fixamente na rua à sua frente. E a uma distância aproximada de cinqüenta metros ele pôde ver. Tal qual a confirmação de uma premonição. E entre os dois ônibus havia um sujeito em comportamento suspeito...

... E havia um objeto metálico em suas mãos...

Daniel A Vianna
Enviado por Daniel A Vianna em 29/07/2016
Reeditado em 29/07/2016
Código do texto: T5713278
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