UM VELHO E UM JOVEM INOCENTE: UM CONTO DE HEROÍSMO

Aquele velho estava quente e ainda sorrindo. Como se estivesse olhando todos a sua volta.

O semblante sereno continuava em seu rosto. E por mais que chorassem aquela serenidade não mudava. Ele não se importava com os choros.

Deitado ele deveria pensar se tudo que havia feito valeu a pena.

Um choro se destacava na multidão. Um choro inocente de quem sabia que tudo ali fazia sentido.

13 anos e já tendo que ser adulto perante os olhares curiosos.

Aquele velho deveria pensar se tudo valeu a pena.

Um instante e tudo estava terminado.

13 anos e ele ainda não sabia viver no mundo. Não sabia como andar entre os prédios. Não sabia atravessar a rua.

Aquele velho que dia após dia cumpria o mesmo ritual matinal de comprar 3 pães, meio litro de leite e 4 maçãs. Religiosamente fazia isso. Nada mudava em mais de 30 anos.

E num instante tudo estava terminado.

Os 30 anos de rotina se cruzava com os 13 anos de ingenuidade.

Aquela inocência que só queria chegar na sua escola para esperar aquela menina bonita que no dia anterior um chocolate havia lhe dado. Desde o início do ano criando coragem somente para elogiar seus lindos olhos verdes, mesmo sabendo que aqueles olhos olhavam para outros.

Não importava os outros naquele dia. Um chocolate selou o início de um amor tão inocente quando os 13 anos daquele coração.

Apressado seu jovem coração pulava no peito.

Aquele velho sabia que não podia demorar muito pois sua companheira de 55 anos não gostava de pães frios. Mesmo que desprovida de visão há 6 anos, ela ainda tinha como olfato sua maior qualidade.

O velho lembrava de flores diversas que sempre deu a ela, e da habilidade dela em mesmo com os olhos fechados saber qual flor ele trazia a ela.

Uma vida dedicada a uma único amor não é vida para qualquer um.

E há 6 anos ele sabe que tudo que ele faz a ele deve ter cheiro, forma e delicadeza.

Como um simples pão. Como uma simples flor.

E num instante os 30 anos de rotina se cruzava com os 13 anos de ingenuidade.

A combinação perfeita para uma história daquelas que só vemos na TV. Um carro, uma criança, um herói. Correria, pressa, sangue, choro. Um corpo. Uma culpa. Uma alma salva.

Um jovem que atônito olhava aquele monstro prateado vindo em sua direção sem a menor pretensão de parar, e de repente, é jogado com uma força assustadora para a calçada.

Quando viu, o monstro prateado encontrava seu destino num poste.

Olhou o rastro da fera, e ainda sem saber como escapara, olhou um velho deitado no chão.

Com algumas moedas ao seu lado. E uma flor.

O velho debilitado de suas melhores flexibilidades como um leão pulou na presa antes que outra fera o pegasse, como ele nunca podia se imaginar fazendo naquela idade.

Olhou em volta e outras crianças indagavam se ele estava vivo. E antes de dizer que estava bem, percebeu que as crianças se preocupavam com o mais novo herói do bairro.

Ele pegou a flor, e num relance rápido notou um pedaço de papel no bolso da calça daquele velho de boa aparência e aparentando ser a pessoa mais feliz naquele dia.

O papel estava sujo de sangue, mas o texto se mantinha intacto:

“3 pães, meio litro de leite, uma maçã e a mesma flor que há 56 anos dei a ela. A primeira flor...”

13 anos de inocência não permitia a ele entender o significado daquilo. Mas ele sabia que para aquele velho que ali estava deitado era a coisa mais importante do mundo.

Naquela mesma noite, somente choro.

O semblante sereno continuava em seu rosto. E por mais que chorassem aquela serenidade não mudava. Ele não se importava com os choros.

Ele estava feliz por saber que o que fizera naquele dia valeu a pena.

Ao jovem, restou chorar. Seu herói na sua frente continuava imóvel.

Quando todos se foram, restou ao jovem olhar a viúva que há muito tempo não se via usando seus olhos. E como ela olhava para o corpo de seu amado de tantos e tantos anos. Mesmo que não enxergasse nada, sabia que ali estava o único dono de seu amor.

O jovem com grande inocência chegou perto da senhora e lhe entregou uma flor.

A senhora sabia o que era aquela flor e o que ela significava. E antes que pudesse dizer alguma coisa para aquele jovem, ela ouviu:

- amanhã comprarei para a senhora 3 pães, meio litro de leite e 4 maçãs. Só não sei onde acho essa flor.

Calmamente a senhora responde.

- eu também nunca soube onde ele achava essa flor.

Os dois se abraçaram.

E os 30 anos de rotina do velho se eternizaram como um ato de heroísmo.

E os 13 anos de inocência daquele jovem se transformaram em uma vida toda de gratidão.

Geovani Nogueira
Enviado por Geovani Nogueira em 29/07/2016
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