Uma estranha família

Quem são eles?

Todos os dias passava por aqui uma família esquisita. A mãe à frente, seguida pelos dois filhos, e atrás deles vinha o pai, e a sogra dele que vinha imediatamente em seguida. Esse grau de parentesco é inventado, pois com eles nunca confirmei. O fato é que os passos irregulares e mancos chamavam minha atenção para o grupo de aparência esquelética, ossos salientes, roupas velhas e mal cheirosas. Eram tronchos.

Já conhecia seus hábitos, e mentalmente os cumprimentava às vezes. Iam para o trabalho, imagino, e rotineiramente voltavam passando aqui em frente. Nunca ouvi suas vozes, nem mirei a cor de seus olhos, nem vi seus sorrisos. A trupe andava enfileirada, tal qual soldado em marcha, carregando às costas pesadas mochilas. Lembravam-me formigas levando para o formigueiro o que conseguiram no dia...

Não sabia onde moravam, nem onde trabalhavam.

Havia dias em que, em silêncio, já os esperava ao entardecer. Muitas vezes. Chegou um momento em que pretendia apresentar-me e dizer-lhes que depois de tantos anos nos encontrando duas vezes ao dia, sentia-me como amigo, um já conhecedor de suas intimidades.

Um dia deixaram cair um envelope. Era pequeno pouco maior que um cartão de visitas, de papel Kraft pardo bem fino, e estava vazio.

Percebi dois minúsculos furinhos sinalizando que ali já estivera um grampo fechando-o. Acreditava que era do pai. Decerto recebeu o salário dentro dele. Mas, não havia identificação. Senti-me responsável por aquele papel, pensei em devolvê-lo. Talvez com a posse desse tosco documento, eu finalmente tivesse argumento para dirigir-lhes a palavra.

Mas, para minha perturbação, no dia seguinte não passaram de manhã. Fiquei confuso, e calculei que perdi a hora. No entanto, não os vi à tarde também, e me peguei preocupado. Se uma família inteira falta ao trabalho deve-se ficar no mínimo curioso sobre as razões.

No outro dia, de novo não passaram.

Fiquei intrigado. Tinha certeza, não perdi a hora, pois postei à porta desde bem cedo desejando até cumprimentá-los. E desta vez o faria de pronto. E enquanto falasse eu, orgulhosamente mostraria o envelope ao pai. “Vi cair de sua mochila, senhor”. Talvez eu começasse assim nossa conversa. Talvez ele sorrisse, finalmente.

Talvez eu dissesse que fiquei curioso por terem faltado ao trabalho.

Não. Talvez fosse melhor usar o termo preocupado, em vez de curioso.

Esperei-os dias e dias seguidos. Em vão.

Nunca soube quem eram nem conheci seus nomes. Sabia apenas que passavam diariamente por aqui. E de repente nunca mais os vi.

Em todo caso, guardei o envelope...