A CARTA*
Entrou na sala e respirou fundo. Estavam confirmadas suas suspeitas. O cheiro forte era de gordura e de bife, misturada com o de feijão com banha ou bacon. A comida preferida dela e do seu pai. Ele devia ter feito algo bom para a mãe estar cozinhando isso. Então ia ter que levar a marmita dele na fazenda. Saco! Ia perder o Video Show! Bem, pelo menos a comida tava gostosa. Capaz de ter até doce de abóbora.
-Benção, mãe! E já foi para o quarto colocar a mochila com os livros e os cadernos da escola.
Da cozinha, separada do cômodo onde a filha estava por um corredor onde ficavam as portas de mais dois quartos e um banheiro, escutou aquela voz grave tão familiar:
-Sua mãe não está, fiá.
-Ué pai? Quando eu peguei o ônibus você já tinha saído.
-Fui só de manhã. Tratei os cavalo e vortei. Dona Olívia me liberô. Mas vou ter que voltar depois do almoço.
-Cadê a mamãe?
-Foi com o Pedrinho visitar sua tia Antônia.
-Ela tá doente?
-Não. É que como vortei prá casa falei para ela ir que preparava o almoço. Pega as batatas que eu cortei que estão de molho ali na mesa, faiz favor. Usa a peneira que está na pia. Lava as mão primeiro.
-Claro né, pai. Que bom! Batata frita. Mamãe nunca faz.
-Depois corta cebola que vou fazer bife acebolado.
-Nossa, porque essa chiqueteza toda.
-Nada.
A menina moça de quatorze anos foi e pegou as batatas. Tirou o excesso de água e entregou para o pai que jogou na gordura quente. Ouviu-se aquele chiado gostoso de fritura.
-Enquanto as batata tá fritando nóis precisa conversá. O pai, homem da roça, pele dura do Sol, olhou-a com aquele olhar penetrante que tinha para um campo ou cavalo novo. A filha o conhecia. Mirou os olhos na régua de madeira de mais de um centímetro de largura que ficava em cima da geladeira. Quando o viu indo com a mão em direção dela se assustou ainda mais. Começou a andar de costas em direção da porta que dava em direção ao quintal.
Ele retirou de cima dela algumas folhas de papel almaço. Ficou branca. Sentiu as pernas bambas. Só isso não a impediu de sair correndo. O pai deu uma gargalhada gostosa:
-Hahahahahahaha! Mas porque tanto ressabiamento Bianca. Que você anda aprontando? Pode ficar tranquila que hoje Dona Régua não vai canta. Mas você precisa aprende a esconde melhor suas coisa. Achei isso aqui procurando seda prá enrolar um cigarro de arapiraca. Óia, prá num ler foi difícil... Mas não li não. Só sei que é você que escreveu porque a letra é sua. E que é de amor porque seu pai num é bobo. Senta na mesa.
A moça volta lentamente. O pai fica em frente:
-Só pedi para Dona Olívia ler para saber se tinha alguma coisa que eu deveria me preocupá. Ela te elogiô muito, disse que não tem nada de mais escrito aqui, e que ocê escreve muito bem. Entregou as folhas para a filha:
-Cê ainda tem aqueles papéis de inscrição do curso de computador e de ingrês que você viu lá na cidade?
-Tenho pai.
-Dá eles prá mim que a Dona Olívia vai pagar. Mas não vai ser de graça não. Quando você volta da escola vai direto para a administração da fazenda. Vai trabalha com ela e volta comigo no final da tarde.
-Brigado pai!
-Agradeça a ela.
-Fiá, só uma coisa... Você sabe que seu pai não conhece neto antes de conhecer genro e nora, né?
-Sei sim, pai.
-Então tá. Espera que vou servir seu almoço.