MOTIVOS

 

 

     Hoje, há tanta informação, que nem precisamos mais usar nossa imaginação. Imaginação que é de tamanha importância em nossas vidas, e já quase em desuso.  É ela que nos da limites, nos permite fazer sondagens, ensaiar, nos demonstra nosso adversário, usamos quando lemos um livro, para ouvir músicas, para sentir prazer, enfim para muito já foi usada e ainda muito se poderia usar.

     Houve um tempo em que as informações eram escassas, nessa época eu era ainda criança, e talvez por ser lá do interior não tivesse acesso, ou fosse ainda mais difícil obter informações. Era década de cinqüenta, o meio de comunicação que imperava absoluto era o radio. Aparelho este, que naquela época era em formato de uma caixa enorme com válvulas, que precisava ser ligado com antecedência para aquecer. A transmissão por antenas, para nós que estávamos longe da fonte transmissora chegava quase só barulho, um chiado. Mas eu sempre via, à noitinha o meu pai, meus tios, o pessoal adulto num esforço tremendo para ouvir uma parte e imaginar a outra, das notícias da voz do Brasil.

      Os jovens ainda alheios à seriedade dos acontecimentos buscavam as informações na praça, nas noites de finais de semana, ali onde todos jovens se reuniam, e após as trocas de notícias, aproveitavam para fazer o footing, que era rodar em volta da praça mulheres em um sentido e os homens em outro, mostrando se como em uma vitrine humana até encontrar o par ideal, daí então na maioria das vezes ir até o serviço de auto- falante que ficava no centro da praça para oferecer uma música e que quase sempre era o rapaz que oferecia para a sua amada, e o locutor assim anunciava: “O rapaz de camisa amarela e calça preta oferece esta música para a jovem de cabelos longos e cacheados que está de vestido azul, com prova de amor e amizade”. Este serviço de auto falante funcionava das vinte às vinte uma hora e cobrava centavos por música, e quando não tinha oferecimentos o locutor fazia sua propaganda assim: “De você para você, de você para seu amor este locutor está a seu dispor”. Também anunciava o filme que passaria no cinema.

      Na torre da igreja tinha também auto falante, que dava as notas de falecimento.

      Nós as crianças nem queríamos saber de notícias, tínhamos a escola todos os dias, tantas coisas para guardar na memória, tanto para estudar e era tão real que não podíamos mesmo nem imaginar. Mas acho que você agora está imaginando, ou pelo menos pensando nestas coisas. Eu vou te ajudar.

      A grande maioria de nós íamos pra escola vestidas de calça curta, suspensório do mesmo tecido, camisa de tecido com botões e bolso, os pés descalços. O material escolar, cadernos, lápis e cartilha iam no picuá, ou embornal de tecido com alça do mesmo material e de pendurar no pescoço. O lanche variava, mas a maioria levava duas fatias de pão caseiro com um ovo frito no meio, uma delícia.

           Certo dia chegou na cidade uma novidade para nos crianças, era um calçado que chamávamos de Alpargatas Roda. Era de tecido com sola de corda de sisal, também conhecido com “enxuga possa”, pois se pizassemos na água ele sugava, passado um tempo de uso a sola começava a desfiar e ficava horrível, um cão chupando manga. Porém, agora os pé no chão já se tornaram raros.

      A imaginação começou a acelerar e logo surgiu o “Come Quieto”,esse era de tecido e com sola de borracha, já era o ensaio do “Conga.” Esse já um produto mais elaborado que vinha em embalagem, numa caixa de papelão. Ah! o picuá, deu lugar a uma bolsa de couro com alça de mão e repartições dentro e tinha um cheiro característico que até hoje quando vejo uma bolsa de couro me lembro da escola.

 

 

 

 

                         Com Autorização do autor: irmão:  Paulo C. Rozeto sembro/05
Que apesar de ter partido, continua vivo em nossos corações.