Em 2007, quando morava em Ijuí, na frente do prédio em que eu morava, viviam quatro moradores de rua. Um deles me chamava atenção. Ele era igual aos milhares que habitam as ruas do Brasil, mas quando você ficava um tempo analisando você percebia algo diferente.
Um dia desci e conversei com aquele homem magro de barba branca e ele me contou a sua historia. Guardei a historia para mim por muito tempo, mas agora vou compartilhar com vocês,dividida em três partes, pelas próximas três semanas.
#
Jorge era um homem simples. Honesto acima de tudo. Correto, batalhador. Trabalhador. Especializou-se na arte da marcenaria. Casou-se muito jovem. Tinha no máximo 20 anos. Mudou-se do estado de Minas Gerais, onde nasceu e cresceu e foi parar no estado do Tocantins.
No inicio trabalhou como auxiliar de uma marcenaria, mas um dia um colega de trabalho lhe fez uma proposta de juntos abrirem um negocio próprio. Aceitou na hora. O inicio foi difícil, mas com criatividade, trabalho sério e acima de tudo talento, em poucos anos eles já tinham uma boa clientela para vender seus móveis de madeira. Logo começaram os projetos planejados que foi um diferencial para aquela região.
Os negócios iam de vento e poupa. Logo conseguiu comprar uma casa e com a casa nova, de maneira planejada veio o nascimento da filha. 
Aqueles foram alguns dos momentos mais felizes da sua vida. Ao mesmo tempo em que trabalhava o máximo que podia, também encontrava tempo para ver a filha crescer. Estar com ela, quando ela deu os primeiros passos. Ensiná-la a andar de bicicleta. Ensiná-la a ler.
#
Um dia o destino decidiu que a vida de Jorge deveria mudar radicalmente. Ele mesmo não sabe explicar como aconteceu, mas quando se deu conta seu mundo virou de cabeça para baixo. Ele matou um homem. Foi legitima defesa, mas o júrifoi implacável e ele foi condenado a quinze anos de prisão.
Nos primeiros dois anos a sua mulher, para quem ele passou o comando da fabrica de móveis quando foi preso lhe visitou religiosamente toda semana. A filha ele não permitiu que fosse naquele lugar dos infernos. Seu sócio aparecia de vez em quando. Os amigos que ele tinha outrora, desapareceram. Dois motivos contribuíam para isso. O primeiro era de que o homem queele matará era bem visto na cidade, o segundo era que o presídio ficava a alguns quilômetros de onde morava.
Depois de dois anos a esposa lhe comunicou que estava se mudando para outra cidade já que lá os negócios não iam bem. Ela explicou de maneira muito objetiva o que iria fazer e ele decidiu apenas apoiá-la. Foi a ultima vez enquanto ele estava no cárcere que ele aviu.
#
O sócio apareceu mais algumas vezes, mas sempre que indagado dizia que não sabia da esposa e da filha. A última vez que ele a tinha visto foi quando comprou a parte da família na fabrica. Depois de alguns meses o sócio também desaparecerá.
A noite ele sonhava com o sorriso de sua filha. Ele se lembrava dela chorando quando caiu com a bicicleta no momento em que estava aprendendo a andar. Eram lembranças. A única coisa que tinha lhe restado.
Uma vez pediu a um colega de cela, que saiu, procurá-la. Pelo menos para que ele tivesse noticias para saber se elas estavam bem. O amigo voltou uma vez, mas a única coisa que disse foi que ninguém sabia das duas.
O desespero de não saber de sua família lhe levou a começar a fumar. Primeirofoi o cigarro e tempos depois, quando teve acesso, começou usar maconha. Algum tempo mais tarde experimentou cocaína pela primeira vez.
O homem saudável, forte, perspicaz, perdeu a vontade de viver e junto com ela muitos quilos. Tinha se transformado em outro homem, mesmo antes da sair do presídio. Um dia num momento de total desespero, tentou o suicídio. Fracassou nisso também.
#
Assim o tempo foi passando e quando viu já se faziam dez anos desde a sua prisão. Quando estava para completar onze anos teve direito a liberdade.
O mundo tinha mudado naqueles dez anos. Eram os anos 90 com o inicio dos anos 2000. Nada mais era igual.
A primeira coisa que fez, tão logo saiu foi procurar uma igreja que tratava de viciados. Por conta própria chegou naquele local e se internou. Ele tinha que se limpar para somente depois procurar a sua família. Precisava recuperar a sua vida. Essa era a sua meta a partir de então.
Jonas Martins
Enviado por Jonas Martins em 02/07/2016
Código do texto: T5685414
Classificação de conteúdo: seguro