Quem Perde E Quem Ganha
Mais uma vez ele acordara de mau humor, porém, nessa ocasião ela insistiu, pois perdera a paciência para esperar que ele melhorasse:
_ Pelo amor de Deus! Não aguento mais esse seu azedume. Diga-me, por favor, o que é que você tem? Foi alguma coisa que eu fiz, ou deixei de fazer?
O homem, que às 2h da tarde ainda usava um robe, solta um longo suspiro e responde:
— Estou farto dessa maldita monotonia conjugal! O nosso casamento foi um erro, querida. Quero a minha liberdade de volta.
— Você se cansou de mim e agora deseja sair com outras mulheres, é isso?
De repente o homem de ar carrancudo, mudou o semblante, parecendo agora bem mais alegre. No entanto, tratou logo de justificar-se:
— Olhe, não me entenda mal, querida. Você é uma mulher linda e inteligente; é tudo o que um homem poderia querer. Mas sabe de uma coisa: é mais ou menos como aquele prato saboroso que a gente adora degustar; de tanto comer, inevitavelmente um dia a gente acaba enjoando.
— Entendi. O que está tentando me dizer é que você não nasceu para praticar a monogamia.
O homem sorri satisfeito e observa:
— Fico feliz por você haver entendido numa boa, querida. Todos os dias, conheço muita gente interessante, atraente e divertida; gente que como eu, aprecia a liberdade. Entretanto, quero que saiba que jamais rolou nada. Até aqui tenho respeitado o nosso compromisso, e só Deus sabe o quanto isso tem me custado. Mas agora basta! Nossa relação foi muito legal, mas de fato não vim a este mundo para viver algemado a uma pessoa.
A mulher começa a andar de um lado para o outro no quarto do casal sem dizer nada, até que finalmente rompe o silêncio:
— E se eu permitir que você traga outras mulheres para a nossa cama? Sem esboçar o mínimo gesto de surpresa, o homem responde:
— Eu permitiria que você trouxesse até outros homens para a nossa cama. Creia, para mim não haveria problema algum. Todavia, não vamos mais nos enganar, meu bem. Isso não está na sua índole. Você ama essa segurança monótona que as pessoas chamam de casamento, mas que sinceramente eu prefiro chamar de prisão.
— Ei — redargui a mulher — como pode ter tanta certeza de que eu não toparia? As pessoas podem mudar, sabia?
— É evidente que podem, querida, contudo, só o fazem por si mesmas, nunca pelos outros. Veja o meu caso: por ter me apaixonado de verdade, embarquei nessa história de casamento. Tentei ser homem de uma mulher só, juro! Mas não consegui. Quanto a você, é quase certo que depois que nos divorciarmos, você irá conhecer outro cara bacana e se casará com ele. E se der sorte, esse outro cara terá mais certeza do que eu sobre o que ele realmente quer.
Com o espírito algo resignado, a mulher obtempera:
— Pode ser que tenha razão, entretanto, eu acredito que uma pessoa pode sim, mudar pela dádiva do amor que sente pela outra, mesmo que isto lhe custe alguns sacrifícios. Mesmo ainda te amando eu lhe darei o divórcio, porque não vale a pena viver ao lado de alguém tão egoísta e que, pelo visto, só tem amor por si próprio; ou talvez nem isso.
— Idem, querida! Vou em busca do tempo perdido.
— Por favor — insiste a interlocutora — responda-me apenas mais uma coisa, preciso saber: foi por isso que nunca quis ter filhos?
— Foi. Ser pai me obrigaria a assumir um compromisso do qual jamais poderia me libertar depois. Sinto muito!
— Acho que não sente não, mas está tudo bem.
Semanalmente, Laura apresenta um programa de rádio, onde entre uma canção romântica e outra, a loura dispara conselhos sentimentais para seus ouvintes insones na madrugada. Antes de iniciar o programa naquela noite, triste, a mulher refletia que todos aqueles conselhos conjugais e afetivos não serviram para si própria, afinal seu casamento chegara ao fim de forma melancólica.
— Boa-noite! Gostaria de começar o nosso programa compartilhando com vocês, queridos ouvintes que sempre me acompanham, algo que me deixou totalmente devastada por dentro. Hoje meu marido pediu que eu lhe desse o divórcio. Portanto, ao invés de dar conselhos esta noite, eu gostaria de receber alguns, se possível de ouvintes casadas ou divorciadas. Estou liberando uma linha neste momento para quem quiser participar.
— Boa noite, com quem eu falo?
— Boa noite, Laura! Aqui é a Zilda do Jardim Paulista.
— É a primeira vez que você participa do programa, Zilda?
— Eu tô sempre escutando o seu “pograma,” Laura, mas é a primeira vez que falo no ar.
— Então seja muito bem-vinda, Zilda! Pode falar.
— Em primeiro lugar eu quero dizer que lamento muito o que aconteceu com você, Laura. Pelo pouco que a gente te conhece do rádio já dá para notar que você é uma pessoa maravilhosa!
— Muito obrigada, querida! — agradece a radialista comovida. A ouvinte retoma:
— Sou casada há mais de 35 anos. Sei preparar todos os pratos que o meu marido gosta de comer: dobradinha, feijoada, torresmo, frango caipira e por aí vai. Modéstia à parte, sou uma cozinheira de mão cheia, Laura. Sem conseguir resistir, a locutora solta uma gargalhada ao falar:
— Que maravilha, Zilda! Você o pendeu pelo estômago. Eu não sei nem fritar ovos. E as duas riem muito. Depois de cessadas as risadas, a ouvinte finaliza:
— Na verdade não tenho nenhum conselho melhor do que os que você mesma já deu nesse “pograma” para te dar, Laura. Só quero dizer que você ainda vai chorar muito, mas com certeza irá sobreviver a isto.
Depois de agradecer à ouvinte, Laura coloca no ar uma longa seleção musical e desligando o microfone deixa as lágrimas correrem seu curso natural, lavando seu rosto e sua alma. Após esse episódio a mulher ainda jovem e muito bonita promete a si mesma: “vamos em frente, menina; a vida segue”.
Dez meses depois, aquele mesmo homem que queria gozar a liberdade fora encontrado morto, estirado em uma cama, num quarto acanhado de um hotel de reputação duvidosa. A prostituta que o acompanhara e que teve sua tentativa de fuga do local frustrada por dois policiais, contara que o sujeito havia consumido cocaína à noite toda. A autópsia veio confirmar a suspeita: o homem morrera de overdose.
No mesmo período, Laura ainda não havia cogitado de viver um novo relacionamento, mas quem sabe? Afinal ela é uma mulher livre.