CONTOS DE LUSSANVIRA

CONTOS DE LUSSANVIRA, é um texto inacabado. Ele será desenvolvido de acordo com a lembrança, a pesquisa e a conversa com velhos moradores. Para Araçatuba, o ramal ferroviário Lussanvira foi muito importante, desde os anos vinte até o final dos anos sessenta. Infelizmente a memória é algo que se apaga, se a gente não a alimenta. Este texto é um pouco para resgatar a nossa história.

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Atualmente, a maioria dos moradores de Baguaçu nunca ouviu falar de Lussanvira.

Não meu rapaz e minha senhora, não!

Lusanvira não é nome estrangeiro, homenagem a alguma da cidade da Europa, como é comum acontecer ao brasileiro com complexo de vira-lata.

É nome guarani? Também não.

Quando Dr. Sampaio Corrêa dirigiu a construção final da linha de Araçatuba ao Itapura (1908-10), quis comemorar numa estação a cooperação dos seus auxiliares, engenheiro Ludgero Dolabela, Roberto Sanson, Vitorino Avila e Pereira Travassos e deliberou formar o nome da referida estação com uma sílaba de cada nome:

Lu (LUdgero), san (SANson), vi (VItorino e PereiRA (ra).

É apenas a combinação.

Alguém em algum momento acrescentou mais um "S"; de Lusanvira, tornou-se Lussanvira.

Lusanvira, porém esquecida, faz parte da vida-história-experiência, aqui da região de Araçatuba.

Era um importante ramal ferroviário para o deslocamento das pessoas até as barrancas do rio Tiete e Paraná.

No caminho, havia uma infinidade de pequenas propriedades, grande parte explorada por imigrantes estrangeiros.

Transportava pessoas, galinhas, cães, etc. nos vagões passareiros; e produtos agropecuários nos vagões de carga.

Passava por muitas fazendas e sítios.

E em especial pela grande Companhia Inglesa, que era proprietária das terras, (por concessão de 100 anos), desde Novo Horizonte até Pereira Barreto.

Como não tinha condição de tocar tudo, arrendava terras aos imigrantes japoneses.

Com este "macete" perdeu-se excelente oportunidade para reforma agrária, que já havia ocorrido no Japão no final do século retrasado.

Lusanvira hoje é parte do passado, vive só no imaginário de alguns.

Igual a um trem que se distancia no horizonte de uma planicie, vai desparecendo, esvanecendo, como a fumaça e o vapor.

Já se passaram muito tempo e a verdade é frágil como um pássaro depenado que cai do ninho.

Se não morre, não sobrevive por inteira.

Quando eu era menino o trem para Lusavira partia da antiga estação ferroviária da Noroeste do Brasil, situada nas proximidades da Rua Quinze de Novembro e do atual camelódromo.

Aquele que tiver interesse pode fazer a pé por aquela região, olhar as casas antigas, no padrão ferroviário inglês, e deixar a imaginação levá-lo ao passado.

Vale pensar em tudo, em como não havia ainda o asfalto, a energia elétrica era fraca e pouco distribuída, a solidão do interior, a luta dos emigrantes e imigrantes.

Com o tempo e o desinteresse do poder público, tudo está a se perder, embora algumas casas ainda estejam bem conservadas.

Na rua Quinze, onde funciona o museu histórico, uma casa maior, confortável, era a residência do “chefe da estação” e está mais conservada.

Ao redor, casas menores, onde moravam seus mais próximos auxiliares. Onde a deterioração é maior.

Só para relembrar, “chefe da estação”, era cargo de importância.

Nenhuma cerimônia pública era comemorada sem a presença do prefeito, do juiz, do gerente do banco do Brasil e do chefe da estação.

Os dois últimos hoje são tão relevantes quanto máquinas mecânicas de escrever.

Um pouco mais adiante da antiga estação, na bifurcação da avenida Araças, com a Marcilio Dias, perto da Cobrac e do portal da imigração japonesa, ficava o depósito de madeira, combustível das "Marias Fumaça”.

Ali o trem tomava rumo a Engenheiro Taveira, córrego Lafon e Azul e depois percorria o restante da viagem paralela ao Rio Tiête.

Era foco tremendo de paludismo.

Ao visitante, que fará o roteiro que apresento, logo em frente a rotatória, ficava o depósito da ferroviária.

A pessoa atenta poderá observar como o edifício é longo e o calçamento muito alto, ou melhor, era da altura em que ficava o trem para ser descarregado.

Na estação velha, embarcavam os passageiros.

A estação nova – hoje terminal rodoviário - foi construída no início dos anos sessenta, quando o ramal de Lusanvira já estava sendo desativado.

O trem saia de São Paulo, ia em direção à linha da Paulista (região de Campinas; linha de bitola larga) ou em direção à linha Sorocabana (região de Sorocaba; linha de bitola estreita).

Em Bauru, ocorria a "baldeação"; as duas linhas se juntavam e o um novo trem, de bitola estreita, seguia em direção à Araçatuba, onde ocorria nova "baldeação" para aqueles que queria seguir em direção à Lusanvira.

Explicando para quem não se lembra, bitola é a distância entre os trilhos; mais espaçada possibilita mais conforto e velocidade.

Bitola estreita é engenharia da época da invenção dos trens, no século retrasado; a ferrovia na região noroeste de São Paulo nunca se modernizou, continua a ser de bitola estreita.

Feita a baldeação do trem da noroeste para o ramal Lussanvira, os passageiros aguardavam num trem de vagões curtos, iluminados por lâmpadas de pouca voltagem, que davam ao ambiente a cor amarelada, um pouco mais claro que a escuridão da noite.

Com a fornalha ligada o trem era abastecido com lenha e água no reservatório; o vapor era a sua energia motora.

De quando em quando, a máquina fumegante dava assobios agudos, altos, estridentes e terríveis.

Uma panela de pressão, de dimensões muito maiores e dotada de pistões e rodas.

Nesse momento de espera, os passageiros eram presenteados por vendedores de alimentos: salgadinhos, marmitas e a inesquecível "moreninha"; sorvete cremoso coberto de chocolate.

Vendi muita "moreninha". Meus tios, (pouco mais velhos que eu), vendiam coxinha de carne e mandioca.

A máquina era pilotada pelo maquinista, um ajudante para colocar lenha na fornalha que se chamava "foguista", por um "chefe de chave e de freios, (cada vagão tinha um freio independente que consistia numa manivela colocada na horizontal), e pelo "picoteiro", pessoa responsável em fiscalizar as passagens, picotando os bilhetes.

Ora, nem é preciso contar; todos já viram em antigos filmes de "faroeste"!.

O guardador de chaves era o encarregado de ir mudando as “chaves” nas encruzilhadas das linhas, para que o trem fizesse o caminho correto; era encarregado, também, de reforçar o “freio” da máquina, girando uma manivela redonda e inteiriça colocada na horizontal de cada vagão.

Como pode imaginar, a vida era uma aventura e tanto.

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Quando puder volto a narração.

Um abraço;

Sajob - junho/2016

Sajob
Enviado por Sajob em 17/06/2016
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