MOMENTOS MARCANTES

          
          A tempos escrevi um texto chamado CHEIRO DE SAUDADE, onde conforme o cheiro que sentia era transportado imediatamente em pensamento a algum momento do passado, que por alguma razão ficou marcado em minha vida.
          Hoje quero falar também sobre momentos vividos no passado que deixaram saudade, mas o condutor do pensamento hoje é a música.Trata-se de músicas que eu ouvi em diferentes épocas que ficaram marcadas e atualmente quando ouço-as automaticamente sou levado a recordar com saudade daquele tempo.
          São três passagens que vou narrar, coisa simples do cotidiano de um adolescente e depois jovem, da zona rural de um pacato mas aconchegante munícipio do interior, nas décadas de setenta e oitenta.
          Lá pelo ano de mil novecentos e setenta e dois ou setenta e três não sei ao certo. Como era natural naquele tempo numa noite de sábado havia um bailinho na colônia, era assim, sempre tinha uma casa vazia e esta era usada para realizar o baile, juntava o povo da fazenda e as vezes alguns que vinham da cidade que era bem próxima, colocavam lâmpadas nos cômodos que iam usar, como a sala e um quarto pois eram pequenos.
          Ligava uma vitrola e alguns discos e o pessoal dançava, era um bailinho familiar onde iam famílias completas marido, esposa, filhas moças, filhos rapazes e as crianças que ficavam pelo meio, tudo com muito respeito pois eram todos amigos.
         Dançava-se com a esposa, com as filhas dos amigos e assim por diante, lógico que sempre rolava uma paquera de rapazes e moças solteiras mas sem nenhum exagero.
      Neste sábado tinha eu por volta dos dose anos e estava nessa festinha e ouvi a música. “Garota do Baile” de Roberto Carlos. O trecho que ficou marcado foi este:

 
        E assim a noite vai passando
        Mas sempre encontro a multidão
       Que com ela quer dançar
       Ela adivinha que
       Eu estou sofrendo
       Também querendo com ela dançar
       O baile vai terminar
       E a última dança
       A última dança
       Já vai começar
       Ela entende o meu olhar
       Dispensou a multidão
       Eu pude então
       Eu pude então
       Com ela dançar

       Não aconteceu nada de extraordinário, apenas eu estava na sala, na vitrola tocava esta música, dois rapazes da cidade que estavam no baile, um queria ir embora, ou outro talvez estivesse interessado em alguma moça não queria ir, aí passou-se este diálogo:
          ---- Vamos embora.
          ---- Não, vamos ficar mais um pouco.
          ---- Estou com dor de cabeça.
          ----Toma uma bala de hortelã, espera só mais um pouquinho.
       Daí o segundo deste dialogo, tirou uma moça para dançar, saiu rodando pela sala sorrindo e o companheiro ficou encostado na parede chupando a bala com cara de desanimo, pois sabia que o outro não iria embora tão cedo. Sempre que ouço esta música vem na lembrança esta passagem.
        O segundo caso foi também na década de setenta, mais para o final, nós jovens estudávamos a noite na cidade, era uma caminhada de aproximadamente meia hora, por um trilho no meio das pastagens do gado,
        Para ir tínhamos que subir um morro, pois as colônias naquela época eram sempre construídas em abaixadas onde a água era fácil, já que não havia água encanada.
        Não era nada fácil, passando frio, tomando chuva e as vezes correndo de vaca brava, mas éramos jovens quem que ia se importar com a isso.
          Éramos seis ou sete amigos e uma vez no inverno estava difícil, pois os agasalhos não eram grande coisa, aí um teve uma ideia que foi aprovada imediatamente por todos, e se a gente comprasse um litro de cachaça para esquentar e assim fizemos.
          Quando saia da cidade tinha um trecho de estrada municipal de uns quinhentos metros e depois passávamos uma cerca e entravámos pelo pasto, chegando ali paramos e abrimos o litro. Cada um tomou um trago num copo, uns mais outros menos e escondemos o litro numa moita de capim para os outros dias e assim foi, vieram outros litros até passar os dias mais frios.
        Entre nós tinha um que estava numa fossa danada, era apaixonado por uma moça da fazenda e ela nem ligava pra ele, esse tomava um trago maior e começava a falar nela.
         Outro não tinha o costume de beber, tomava um golinho só e dizia que chegava em casa suado. Só que infelizmente este nosso amigo, dos golinhos na estrada da escola passou para outros e viciou na bebida, depois de algum tempo teve uma desilusão amorosa, um noivado desfeito, passou a beber ainda mais e não parou mais morrendo ainda novo.
         Mas voltando ao caso, enfrentávamos também noites de chuva, que o guarda-chuva não era suficiente e chegávamos em casa molhados. E foi numa dessas noite que aconteceu, ao sair da escola estava um temporal uma chuva forte, não dava para enfrentar mesmo com guarda-chuva, então o jeito foi esperar o tempo melhorar.
        Saindo da escola andando um quarteirão chegava na praça da matriz, na esquina era o Clube com um bar que tinha também uma porta para a rua, ao lado o antigo Cinema desativado, em seguida a Igreja.
         Na entrada do cinema tinha como um saguão no formato de meia circunferência, com uma grade na frente, neste local ficava as bilheterias e os cartazes dos filmes.
        No antigo cinema fomos abrigar-nos e esperar a chuva passar, entramos nesse saguão e sentamos numa escada de três degraus que tinha na porta que entrava para o salão.
     Em frente ficava a praça, com arvores enormes que o vento balançava sua copa, relâmpagos, trovões, nós ali esperando que o tempo melhorasse, olhando chuva no claro das luzes do poste, apesar de incômodo, não deixava de ser um belo espetáculo.
       No bar do clube tinha uns jovens tomando cerveja e ouvindo música e no momento a que tocava era “Felicidade”, não sei quem cantava talvez o Caetano Veloso e o trecho que lembra-me esse dia foi:

          Felicidade foi-se embora
          E a saudade no meu peito ainda mora
          E é por isso que eu gosto lá de fora
          Porque sei que a falsidade não vigora


        Esta noite chegamos em casa quase amanhecendo o dia para dormir um pouco e depois ir para o trabalho na roça.
         O terceiro caso ocorreu em mil novecentos e oitenta e três, eu já morando na cidade mas ainda trabalhando na lavoura como trabalhador volante ou “boia fria”, como eram conhecidos na época esses trabalhadores. Fui chamado para trabalhar no escritório de uma fazenda vizinha da que eu fui criado, lembro-me a data que comecei no dia 09 de junho de 1983.
         No escritório tinha um rádio a pilha e as músicas das paradas na época eram “Chuva de Prata” com Gal Costa, “Menina Veneno” com Ritchie e não sei se tocava mais ou eu gostei mais foi a “Anjo” com Roupa Nova e o trecho é:

         Se você vê estrelas demais
         Lembre que um sonho não volta atrás
         Chega perto e diz: “Anjo”
         Se você sente o corpo colar
         Solte o seu medo bem devagar
         Chega perto e diz ”Anjo”
         Bem mais perto e diz: “Anjo”.


       Este momento ficou marcado em minha vida, porque trata-se de uma mudança para melhor, eu saí do trabalho pesado na lavoura para o escritório e depois para outros trabalhos, mas não braçal como antes.
        Quando somos jovens vivemos de planos para o futuro, depois que passamos dos cinquenta vivemos de recordações e saudades do passado e essas músicas trazem lembranças de um passado distante de momentos bons e outros não tão bons mas que é muito bom relembrar.
João Batista Stabile
Enviado por João Batista Stabile em 15/06/2016
Reeditado em 11/08/2020
Código do texto: T5667655
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