Aretha e os adultos
ARETHA E OS ADULTOS
Miguel Carqueija
Era uma bela residência, de paredes cor-de-rosa e um bem cuidado jardim. Aretha havia telefonado e obtido o endereço, e arrastara um colega junto, embora fosse perfeitamente capaz de levar o beagle sozinha.
— Acho que o Bud sabe que estamos levando ele para casa. Veja, Leandro, que gracinha.
— É, ele está ficando mais alegre — respondeu o garoto, coçando o nariz.
— É claro que está! Ele sabe que voltou para casa!
Leandro tocou a campainha, já que Aretha estava com as mãos ocupadas. Uma mulher muito magra e idosa apareceu e o beagle começou a latir com entusiasmo.
— Ah, que bom, trouxeram o Bud! Oi, menino! — e ela afagou o bichinho pela grade.
Leandro pareceu fascinado pelas plantas e flores do jardim, mas Aretha não se distraiu e respondeu:
— Ele está doido para entrar!
— Entrem, vão lá na varanda que a Dona Clara está esperando para falar com vocês. Me dêem o Bud!
Aretha entregou o cachorro àquela senhora, que não se apresentara; a menina, que dissera o próprio nome à Dona Clara, por telefone, lembrou-se de apresentar o amigo:
— Olha, esse aqui é o Leandro, é um amigo, veio me ajudar...
— Ah, que bom, mas se apressem por favor.
Ela encostou o portão e as duas crianças, meio intrigadas, foram até o alpendre. A mulher veio atrás e a porta se abriu. Apareceu a Sra. Clara, loura, imponente, bem vestida, e recebeu o cachorrinho que abanava a cauda:
— Oi, querido! — disse ela, pegando o bichinho no colo. Ele mal cabia de tão contente, naquelas manifestações exageradas dos cães.
— Onde vocês o encontraram?
— Ah, perto do chafariz, lá na Praça João XXIII.
— Estava tão jururu, não é, Aretha? — acrescentou Leandro, que não encontrara o bicho mas chegara a vê-lo tristonho.
— Mas está tão sujinho! Iara, dá um banho nele e depois dá comida, OK? Ele deve estar com fome.
A criada se retirou para o interior da casa, levando Bud, e a Dona Clara voltou-se para as crianças:
— Vocês são uns anjinhos. Não sei como lhes agradecer. Eu estava doida com o sumiço do Bud, ele é o nosso xodó... os meus filhos estão na escola, vão ficar tão alegres...
— Que bom, Dona Clara. Mas não precisa agradecer, foi um prazer ajudar.
Voltou-se para o coleguinha:
— Vamos, Leandro?
Ele olhou-a com jeito de quem quer falar alguma coisa, mas ela o pegou pela mão e foi saindo. A dona do Bud foi até o portão para fechá-lo.
— Não é bom o portão ficar aberto. Bem, crianças, mais uma vez obrigada. Vocês me prestaram um grande favor!
Quando os dois se afastaram Leandro finalmente falou o que lhe ia na cabeça:
— Mas, Aretha, e o nosso dinheiro? Ela nem tocou no assunto!
Era verdade. O cartaz espalhado pelos postes falava numa recompensa de 5.000 reais para quem achasse o cachorro. Aretha sorriu:
— Ela deve ter pensado, o que é que duas crianças iriam fazer com tanto dinheiro...
— Mas isso não se faz, nós devolvemos o cachorro dela! Ela nem tocou no assunto — insistiu ele.
— Sim, aliás ela nem água nos deu, que dirá dinheiro.
— Por que ela mentiu, Aretha? Eu quase lembrei...
— Leandro, a gente não pode fazer isso, pega mal. Os adultos são assim mesmo, eles gostam de mentir. E mentem muito para as crianças. Vivem nos enrolando. É por isso que eu não quero ser adulta!
É claro, pensou Aretha, que não poderiam ficar com tanto dinheiro, teriam de entregar aos respectivos pais. Mas seria um dinheiro bem-vindo em família.
Com ou sem recompensa, porém, Aretha e Leandro tinham feito uma boa ação. E isso era o mais importante.
imagens pixabay
ARETHA E OS ADULTOS
Miguel Carqueija
Era uma bela residência, de paredes cor-de-rosa e um bem cuidado jardim. Aretha havia telefonado e obtido o endereço, e arrastara um colega junto, embora fosse perfeitamente capaz de levar o beagle sozinha.
— Acho que o Bud sabe que estamos levando ele para casa. Veja, Leandro, que gracinha.
— É, ele está ficando mais alegre — respondeu o garoto, coçando o nariz.
— É claro que está! Ele sabe que voltou para casa!
Leandro tocou a campainha, já que Aretha estava com as mãos ocupadas. Uma mulher muito magra e idosa apareceu e o beagle começou a latir com entusiasmo.
— Ah, que bom, trouxeram o Bud! Oi, menino! — e ela afagou o bichinho pela grade.
Leandro pareceu fascinado pelas plantas e flores do jardim, mas Aretha não se distraiu e respondeu:
— Ele está doido para entrar!
— Entrem, vão lá na varanda que a Dona Clara está esperando para falar com vocês. Me dêem o Bud!
Aretha entregou o cachorro àquela senhora, que não se apresentara; a menina, que dissera o próprio nome à Dona Clara, por telefone, lembrou-se de apresentar o amigo:
— Olha, esse aqui é o Leandro, é um amigo, veio me ajudar...
— Ah, que bom, mas se apressem por favor.
Ela encostou o portão e as duas crianças, meio intrigadas, foram até o alpendre. A mulher veio atrás e a porta se abriu. Apareceu a Sra. Clara, loura, imponente, bem vestida, e recebeu o cachorrinho que abanava a cauda:
— Oi, querido! — disse ela, pegando o bichinho no colo. Ele mal cabia de tão contente, naquelas manifestações exageradas dos cães.
— Onde vocês o encontraram?
— Ah, perto do chafariz, lá na Praça João XXIII.
— Estava tão jururu, não é, Aretha? — acrescentou Leandro, que não encontrara o bicho mas chegara a vê-lo tristonho.
— Mas está tão sujinho! Iara, dá um banho nele e depois dá comida, OK? Ele deve estar com fome.
A criada se retirou para o interior da casa, levando Bud, e a Dona Clara voltou-se para as crianças:
— Vocês são uns anjinhos. Não sei como lhes agradecer. Eu estava doida com o sumiço do Bud, ele é o nosso xodó... os meus filhos estão na escola, vão ficar tão alegres...
— Que bom, Dona Clara. Mas não precisa agradecer, foi um prazer ajudar.
Voltou-se para o coleguinha:
— Vamos, Leandro?
Ele olhou-a com jeito de quem quer falar alguma coisa, mas ela o pegou pela mão e foi saindo. A dona do Bud foi até o portão para fechá-lo.
— Não é bom o portão ficar aberto. Bem, crianças, mais uma vez obrigada. Vocês me prestaram um grande favor!
Quando os dois se afastaram Leandro finalmente falou o que lhe ia na cabeça:
— Mas, Aretha, e o nosso dinheiro? Ela nem tocou no assunto!
Era verdade. O cartaz espalhado pelos postes falava numa recompensa de 5.000 reais para quem achasse o cachorro. Aretha sorriu:
— Ela deve ter pensado, o que é que duas crianças iriam fazer com tanto dinheiro...
— Mas isso não se faz, nós devolvemos o cachorro dela! Ela nem tocou no assunto — insistiu ele.
— Sim, aliás ela nem água nos deu, que dirá dinheiro.
— Por que ela mentiu, Aretha? Eu quase lembrei...
— Leandro, a gente não pode fazer isso, pega mal. Os adultos são assim mesmo, eles gostam de mentir. E mentem muito para as crianças. Vivem nos enrolando. É por isso que eu não quero ser adulta!
É claro, pensou Aretha, que não poderiam ficar com tanto dinheiro, teriam de entregar aos respectivos pais. Mas seria um dinheiro bem-vindo em família.
Com ou sem recompensa, porém, Aretha e Leandro tinham feito uma boa ação. E isso era o mais importante.
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