A SURRA

Veio pela viela lateral e pelo escadão. Parou na laje do vizinho e desceu até uma pequena reentrância que se formava entre a parede da sua casa e a pedra do morro. Espalhou na sua frente o fruto do trabalho da manhã. R$57,50 em notas de dois e cinco e moedas, duas pedras de crack, dois pinos de farinha, uma paranga de maconha, meio corote de pinga, um maço de cigarros e um isqueiro. Fruto de manguear no trem e de dois celulares que roubou e trocou na boca. Era a segunda vez que faltava na escola esta semana.

Enrolou um baseado mesclado com crack mas antes que pudesse acender ouviu a voz da sua mãe vindo de dentro de casa:

-"De novo mãe! De novo. A diretora da escola me ligou no serviço, tive que ir lá, O Tinho cabulou aula de novo! Vai acabar repetindo de ano, e a praga do moleque já está uma série atrasado... Se eu sei o que ele fica fazendo? Como eu posso saber mãe? Como eu posso saber? Eu saio de casa cinco horas da manhã para trabalhar, só volto as sete da noite! Acabada de cansada! Se a Irene e a Amanda ajudam? Ajudam mãe... Sim mãe... Caralho mãe, elas são adolescentes! Como é que você quer que elas segurem um menino de treze anos?... Aquele merda do pai dele serve prá alguma coisa?... Ahhh!!! Você acha que já não tentei, mãe? Você acha que já não tentei?"

Começou a chorar de soluçar:

-"Eu já falei, já implorei. Já ameacei expulsar ele de casa, mãe! Já bati de tirar sangue! Ele parece não sentir nada. Nem chorar chora. Não desce uma lágrima. O que que eu faço mãe? Pelo amor de Deus o que que faço?"

Um longo silêncio, onde só se ouve o choro abafado da mãe:

-"Tá bom, mãe... Não, mãe... Estou mais calma, sim. Não, tenho que voltar. Peguei só meio dia. Também te amo mãe."

Ficou ali parado até ouvir a porta bater. Subiu na laje do vizinho e ficou olhando sua mãe descer o morro em direção ao ponto de ônibus na avenida. Voltou ao seu pequeno "mocó", ficou bem louquinho e depois entrou em casa e deitou em sua cama. A mãe chegou duas horas mais tarde do que o habitual. Ele ainda estava deitado na cama. Balançou-o irritada, mas sem vontade, quase como se fosse uma obrigação. Para não passar "batido":

-"Levanta, moleque! Levanta! Você não tem jeito mesmo, faltou na escola de novo? Eu tive que sair do serviço para não te expulsarem! Levanta..."

Ele se levantou em um salto e se ajoelhou no chão:

-"Não me bate mãe! Não me bate! Eu não vou mais aprontar não. Prometo!"

A mãe olhou assustada não acreditando na cena. Pegou o chinelo dele que estava no chão e mandou ver:

-"Ai para mãe! Para mãe! Eu prometo que não faço mais mãe!"

Ela só parou de bater quando viu uma lágrima descer do olho dele. Dormiram os dois o sono dos justos.

Aristoteles da Silva
Enviado por Aristoteles da Silva em 11/06/2016
Reeditado em 31/08/2024
Código do texto: T5664376
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