Sou da Terra...

Baseado em factos reais

1991 foi ano de eleições legislativas, de forma a cativar parte do voto jovem, a maior parte dos homens considerados fisicamente aptos, não fizeram a tropa.

Em 1992, de forma a repor os números (que justificavam a manutenção de um numeroso -e bem pago- corpo de oficiais e sargentos) 95% dos aptos fizeram o Serviço Militar Obrigatório.

Muitos dos homens não possuíam qualquer tipo de habilitações para pegar numa arma, no entanto foram mobilizados na mesma.

Naquele ano 100 mil homens foram à tropa, o maior número de homens em armas em tempos de paz da nossa história.

Ele era o maior tipo do pelotão, e apesar da sua força, ao invés de impor respeito, era desprezado por todos os homens.

Uma noite, numa mudança de serviço, não o encontrando, deixei-lhe um recado no posto que ele iria ocupar quando me substituísse.

Encontrei esse recado mais tarde, intacto, ao lado da arma, quando fui fazer mais um turno.

Na manhã seguinte, quando nos reunimos para encerrar o serviço nocturno, perguntei-lhe, para o tentar conhecer:

-Pá, porque não leste o recado?

-Porque não sei ler…

-E fora daqui, como sobrevives?

-Faço serviços (roubo)

-Mas de que raio de local és?

Ele respondeu-me com uma tristeza pungente no olhar, que me recordo como se fosse ontem, apesar de terem passado já tantos, demasiados anos:

-Eu?

Eu sou da Terra...

Miguel Patrício Gomes
Enviado por Miguel Patrício Gomes em 31/05/2016
Reeditado em 31/05/2016
Código do texto: T5652409
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