Uma caverna a milhas e milhas.

Ele estava sempre no mesmo banco, na mesma praça, da mesma avenida, de mesmas árvores. Sua vida se tornou uma rotina contínua, até os carros pelos quais cruzava já os conhecia, gravava as placas para se divertir e testar sua velha e boa memória. Cumprimentava os cachorros da rua Helena Obá e brincava com o gatinho pardo da rua no cruzamento entre a avenida da pracinha e a rua Emídio Salvador. A olhos externos, aparentava um senhor feliz, aposentado, aproveitando a vizinhança, já que sua casa estava cheia de lembranças apenas.

Ele não domou sua vida, mas escolheu seus caminhos, tinha consciência de cada ato e de cada consequência. Se convenceu que nada o faria feliz além de si mesmo. As pessoas são imperfeitas, erram, magoam. Então trabalhou, ganhou dinheiro, comprou uma grande casa, um bom carro, roupas caras, viajou o mundo todo. Foi feliz como muitos outros não puderam ser, num refrão de Engenheiros seguiu a vida, viveu sua ilha.

Ele vive hoje nas fotos que religiosamente olha todas as manhãs, tomando um chá verde e comendo algumas bolachinhas que faziam lembrar sua mãe. Dez minutos depois saía, pegava a rua Alphonsus de Guimaraes, admirava a linda catedral, descia na rua Helena Obá e duas quadras mais pra frente virava na rua Emídio Salvador e no cruzamento descia na esquina, aquela mesma de uma canção e seguia pela mesma avenida até avistar seu mesmo banco, da mesma praça. Repousa sua solidão, levantava os óculos escuros e olhava como era o amor, a família, a amizade. Afinal, as pessoas tornam sua cada dia uma tentiva perfeita de ser feliz, amam, cuidam.

Laura Cardoso
Enviado por Laura Cardoso em 25/05/2016
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