O Menino que queria ser o trem.
Exultante, ele esperava a passagem do trem sempre sentado à calçada de casa. Pela manhã, ia à escola modesta no município próximo a sua cidadezinha. Muitas vezes, a merenda escolar era a grande desculpa para se fazer presente constantemente, na escola. Isso quando havia merenda, pois em alguns períodos, as verbas para alimentar as crianças nas escolas eram desviadas por algum político inescrupuloso.
De resto, não havia nada mais que o interessasse naquele recinto com pouco conforto, nenhuma carteira escolar, paredes mofadas e alguns poucos livros que eram distribuídos em grupos de três alunos, pois eram escassos , quando não raros. Durante a permanência na escola, ficava pensando no momento de retorno, afinal, o trem passava no final de tarde e assim sempre se encontravam.
Ainda bem pequeno, sentia-se profundamente incomodado com o barulho daquela centopéia de ferros. Muitas vezes acordava aos sobressaltos com o ruído do trem e prontamente era consolado por sua mãe, que o colocava no colo e aconchegava-o até que ele dormisse novamente. Com o passar dos tempos, foi se acostumando com o barulho ensurdecedor da máquina e com este ruído, sentia-se ninado.
Era um menino como outro qualquer. Passava horas a fio, tecendo a vida junto ao lúdico. Algumas pequenas coisas eram motivo para que abrisse um sorriso, apesar de lá no fundo ele guardar uma amargura, herança dos pais. O pai, lavrador, há muito deixara o trabalho da enxada, pois deram de aparecer ultimamente umas grandes dores nas juntas, sobretudo nas mãos. Suas mãos acabaram deformadas e doloridas. Assim, fora ficando sem condições de lutar sol a sol pela família.
A mãe cuidava dos cinco filhos não mais com a esperança que nutria outrora, de uma vida melhor. Hoje, cansada, empurrava-os para o mundo como podia. Vez por outra fazia um trabalho doméstico o que lhe rendia comida para as crianças ou alguns trocados.
O menino era assim, ora feliz, ora triste, apesar da infância. Nada, nem ninguém lhe causavam profunda alegria. Ou melhor, só uma coisa: O trem. Aquele veículo que passava tão majestoso.
Cada vez que o via passar, tão imponente, tão grande, com tanta autoridade, mais gostaria de ter nascido trem, pois percebera que todos da cidadezinha paravam para que ele atravessasse a cidade e o que era melhor, seu caminho já estava traçado, não teria que ser construído com o esforço sobre-humano de quem lutava apenas por sobreviver.