O Homem Sombra
 
 
Onde o amor impera, não há desejo de poder; e onde o poder predomina, há falta de amor. Um é a sombra do outro.
 
Carl Jung
 
Duas casas vizinhas. Numa, o pai acorda, beija no rosto a esposa que dorme ao lado. Vai ao quarto e, enquanto os filhos dormem, crava-lhes um olhar de amor. É cedo. O sol, em sua preguiça de astro, continua dormindo. As chaminés clamam por seu avanço e o trabalhador segue para a luta do pão envelhecido nosso de todos os dias. Porém, é feliz. Ama e é amado. Ao voltar, no final do dia, todos estarão dormindo, menos a esposa que o esperará para esquentar a sopa e segurar-lhe a mão quente e gasta a benefício do sistema...

No lar ao lado, um outro se levanta. Faz com que todos acordem. Exige o café, o pão fresco, a submissão. A mulher, no entanto, não voltara da padaria. Um veículo em velocidade desgovernada a colheu e a foice da morte levou-a para o repouso dos justos e dos injustos. As crianças que deixou sentem um aperto no coração e um nó na garganta. O homem, com uma zanga mal contida nas faces, sabe que a hora dela voltar já passou. Não terá café, nem pão, mas uma porção de fedelhos para surrar quando voltar bêbado para casa, todas as noites, até que a morte os separe...

Nos dias seguintes, ambos os homens se encontraram ao sair de casa. Cruzam-se em silêncio, saúdam-se com acenos frios de cabeça dentro dos capotes surrados. A cidade é fria e cinza. Um, no entanto, tem um arco-íris no coração, o outro, tem uma sombra...