O JUMENTO CAMBALIANTE
Sai de casa para um compromisso e dentro do carro ia acertando assuntos pendentes.Aquele compromisso de última hora veio mudar uma agenda cheia e precisava ser cuidadosa no trato feito com cada pessoa naquele dia. O ar condicionado não dava conta do calor escaldante, e olhando a hora dava pra imaginar que a temperatura da pista deveria estar por volta dos quarenta e dois graus. Ufa!!!! Não havia uma alma vivente até onde minha vista alcançava. O carro faz uma curva e lá vem algo que não dava para identificar com precisão.
A cor dos matos tostados pelo sol e o asfalto tremulando à distância misturavam-se àquilo que eu não conseguia identificar. O carro estava numa velocidade equilibrada, mas o motorista conversava tranquilamente com uma das pessoas atrás. Eu, como de costume, sempre atenta ao que ocorre do lado de fora do carro fui fixando meu olhar naquela coisa que se aproximava. Aquela ‘coisa’ cambaleava. Era um jumento.
Enquanto o carro passava por ele, fui virando o meu pescoço e acompanhando o infeliz animal que fora atropelado por algum motorista e pela quantidade de sangue que ainda caía da cabeça até o focinho devia ter sido uma pancada e tanto. Ele estava magro e sozinho. Normalmente, andam em grupos. E por ficarem na pista à noite, são atropelados e causam grandes e graves acidentes. De dia, os carros, motos e carretas os atropelam à beira da pista. Acompanhei o animal até perdê-lo de vista. Desejei ter condições de mudar esse quadro, nem que fosse daquele infeliz que seguia sem rumo, sem dono, sem socorro.
Na volta, segui procurando pelo mesmo. Não sei pra quê. Não podia ajudá-lo. Não havia nenhum serviço veterinário na cidade. Alguém me disse: É o mesmo que dá murro em ponta de faca. Eu sei. Mas vou continuar procurando o jumento que está com a cabeça rachada. Respondi, pra mim mesma, já que não havia ouvidos dispostos para ouvir minha ‘ladainha’. Não sei o que vou fazer quando encontrá-lo. Levar água, alimento? Chegar perto, talvez não possa. São animais brutos, que não conhecem carinho ou cuidado. Sentem medo dos homens e deles fogem. Mas, talvez possa aliviar sua dor – é minha imaginação que agora dá um voo.
Aliso suas orelhas caídas, olho nos seus olhos lacrimejantes, digo com voz suave:
_ Sinto pelo que fizeram com você. Posso limpar suas feridas? Ah, conheço um lugar decente onde não há de faltar nada para você! Venha comigo. Aceite minha amizade. Prometo que a partir de hoje ninguém lhe fará mal algum.
Ele me retribui o olhar e pelo balançar do rabo percebo que me entende. Dá um suspiro profundo aceitando meu braço medroso. Com grande esforço estica seu pescoço até que eu fique na mesma altura que ele. Ajoelho-me e choro copiosamente. Cheguei tarde demais. Nos meus braços, ele dá o último suspiro e eu fico com o peso de um mundo que se desfaz a cada instante.
IoneSak 18/05/16