A CONFERÊNCIA

A CONFERÊNCIA. (Conto).

Esta estória eu recolhi anos atrás quando participei de uma série de cursos na minha cidade natal. Tratava-se de um famoso conferencista, ganhava a vida proferindo palestras pelo país afora. Para onde ia levava o seu motorista particular, que era também uma espécie de fiel escudeiro, cujo respeito e admiração pelo patrão eram notórios. Não só o acompanhava em todas as viagens, como também assistia às aulas ministradas pelo mestre, prestando atenção a todos os detalhes, sempre sentado nos últimos bancos ou cadeiras dos teatros ou auditórios onde eram realizadas as apresentações.

Na verdade, ele já sabia “de cor e salteado” sobre todos os temas abordados pelo patrão, tanto que lhe se fosse dado, algum dia, por qualquer motivo substitui-lo, poderia fazê-lo com tranqüilidade. Pelo menos assim pensava...

E o que era apenas um sonho foi, na sua cabeça, transformando-se numa obsessão. Tornou-se meticuloso, estudava e anotava os vários pontos das palestras. Geralmente as conferências não apresentavam grande problema, só necessitavam de um conhecimento específico da matéria ou tema a ser abordado, e da habilidade do orador no sentido de prender a atenção da platéia. A dificuldade não estava na palestra em si, mas na seqüência quando aconteciam os debates. Aí estava o entrave. Sim, porque este terreno não era firme, nem tampouco plano, necessitando além de conhecimento, muito “jogo de cintura”, para não cair nas armadilhas eventualmente preparadas por algum dos debatedores.

Um belo dia, em conversa com o patrão deixou escapar que o seu maior desejo era o de proferir uma palestra, embora soubesse que jamais poderia concretizar seu sonho, pois não passava de um motorista. Ao invés de censurá-lo, qual não foi sua surpresa ao ver que o patrão gostou da idéia, acenando com uma possibilidade de realizar seu intento, só que para isso precisava testá-lo. Após submetê-lo a uma rigorosa sabatina, concluiu que o motorista estava apto.

Entusiasmado com a experiência, o mestre decidiu por em prática um plano no mínimo arriscado. Consistia na troca de identidades. Ambos trocariam de papéis por um dia. O professor seria o motorista e vice-versa. Aproveitando que na próxima semana suas palestras estavam marcadas para pequenas cidades do interior, onde a platéia além de não ser muito numerosa, não seria muito exigente, aproveitaria para por em prática seu plano.. Era a oportunidade que se apresentava.e, certamente não haveria problemas.

A Conferência.

O auditório composto por autoridades municipais, além de intelectuais e figuras da sociedade local, todos ávidos de conhecimento. No fundo da sala, bem na última fileira, o mestre, ora travestido de motorista, orgulhoso assistia ao desenvolvimento da palestra. Seu discípulo, após um início um tanto titubeante, tomara “pé da situação”, discorrendo firmemente sobre os aspectos mais controversos do tema. Ao final da primeira parte, aplausos unânimes dos presentes.

Breve intervalo e iniciaram-se os debates. De início, as perguntas foram respondidas com certa facilidade, surpreendendo ao mestre. Até que o que se temia aconteceu. Um dos presentes, notório polemista, formulou uma indagação de alta complexidade, daquelas que exigem sólidos conhecimentos científicos para serem atendidas.Ora, não era bem o caso daquele aprendiz de conferencista...

Tomado de surpresa o nosso herói “balançou”.Todavia, retomou o controle da situação e não se fez de rogado, saindo-se com esta pérola:

- “A questão, ora proposta, “ a priori “ parece conter enorme dificuldade. Todavia é somente na aparência. Na verdade, o problema é de fácil solução. Tão fácil que qualquer pessoa de mediana inteligência e parcos conhecimentos poderia respondê-la. Sendo assim e para demonstrar o acerto da minha argumentação, vou solicitar ao “ meu motorista” , que se encontra ali na platéia, na última fileira, para que responda à indagação”.

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EMILIO CARLOS ALVES
Enviado por EMILIO CARLOS ALVES em 04/10/2005
Código do texto: T56397