AMOR ETERNO
Filhos de operários de antiga fábrica de tecidos, Ovídio e Olga foram amigos de infância.
Cresceram juntos e juntos frequentaram a escolinha que a professora Adalgisa, recém-formada montou na varanda de sua casa, enquanto esperava a nomeação para o grupo escolar da pequena cidade.
Depois de alfabetizados foram, os dois, estudar no grupo e juntos na mesma classe fizeram todo o ciclo básico, depois, numa cidade vizinha, onde havia colégios de padres e freiras, os dois, dessa vez separados apenas nos horários das aulas, formaram-se ela professora, ele técnico em contabilidade.
Montados nas bicicletas saíam de casa bem cedo e voltavam na boquinha da noite conversando sobre os acontecimentos do dia, muitas vezes, empurrando as bicicletas a fim de passarem mais tempo na companhia do outro.
Olga fez o concurso para lecionar no grupo escolar, o mesmo onde havia estudado e Ovídio arranjou com os comerciantes, umas escritas contábeis para logo mais montar o seu escritório de contabilidade.
O tempo foi passando e afinal eles descobriram que aquele prazer que sentiam pela presença do outro era amor e resolveram casar.
Os ganhos eram poucos, não dava para montarem imediatamente a casa por isso resolveram morar com a mãe de Olga viúva há alguns anos.
Vieram os filhos, dois homens e duas mulheres para completar a felicidade do casal cujo amor crescia a cada dia.
Ovídio comprou duas cadeiras, daquelas com trançado de palhinha no acento e no encosto e cujo braço se emenda com o pé formando o balanço. Diz-se que é modelo suíço.
Toda noite, depois que as crianças já tinham ido dormir, os dois sentavam nas cadeiras de balanço colocadas na varanda, e de mãos dadas, comentavam sobre seus trabalhos e os acontecimentos do dia no resto do mundo que chegavam através do pequeno rádio Telefunken colocado sobre uma coluna de madeira no canto da sala de jantar e que fazia a maior parte da trilha sonora das refeições.
Os anos passaram, os filhos cresceram, mudaram-se para a capital a fim de estudar e trabalhar como seus pais sempre fizeram.
O mais velho formou-se médico e quando podia tirar férias, voltava para a cidadezinha, onde nada ou quase nada mudara desde que ele era bem pequeno, inclusive o costume dos seus pais sentarem nas cadeiras de balanço na varanda, de mãos dadas.
Naquele ano estavam preparando a comemoração dos 55 anos de casados.
Bodas de Ametista.
Aquela pedra azul muito usada na ourivesaria e por conta disso, Ovídio mandou lapidar, cinquenta e cinco pedras em vários formatos, para distribuir com os convidados que comparecessem às celebrações que fariam na igreja e no salão paroquial.
Chegou mesmo a pensar em fazer broches ou anéis, mas Olga achou melhor que os agraciados fizessem com as pedras o que achassem melhor.
Assim eles mandaram fazer as caixinhas forradas de azul, na mesma tonalidade das pedras, e estampadas com as duas letras “O” entrelaçadas formando um coração com os dizeres “55 ANOS” na cor dourada.
A igreja ficou pequena para acomodar os amigos e parentes que de perto ou de longe fizeram questão de comparecer à solenidade.
Antes das seis da tarde, Olga e Ovídio de mãos dadas, sentados nas cadeiras de balanço, observavam os netos brincando de pega-pega, na sala, em volta das cadeiras dos avós.
Se felicidade pudesse ser desenhada, seria aquele cenário que todos veriam.
Ovídio sentiu a mão de Olga escapar da sua e o braço dela pender frouxo junto à cadeira. Com os olhos semiabertos e um sorriso lânguido nos lábios, Olga estava morta.
No dia seguinte, quando voltou do cemitério, Ovídio sentou na sua cadeira de balanço segurando no braço da outra cadeira vazia, e lá se consumiu, como a luz de uma vela votiva, com a cabeça encostada na palhinha, os olhos perdidos num ponto qualquer da sala, sem dormir, sem falar, sem comer, sem beber até ser retirado, morto, quatro dias depois da festa.