OLHAI OS CONCRETOS DO TEMPO!
Todas as primaveras, em meio ao mato daquela pracinha pública, naquele mesmo jardim escondido, abandonado e semeado de vida apenas pelos passarinhos, ela por ali passava e "click!"...olhava e fotografava o recém florescer dos lírios do campo.
O espetáculo parecia relógio suíço pela pontualidade do show!
Eram lindos, em várias cores, formas, em unidos arranjos aconchegados em torno de si mesmos.
Tinha aprendido assim, numa leitura teológica (Mateus 6.28), a que poeticamente ensinava que sempre nos é preciso olhar os lírios do campo para entender que a vida se mantém duma força milagrosa e ininteligível para prover nossas necessidades essenciais.
E sei que ela foi bem além: olhou e os fotografou em beleza.
Conto que fez aquilo durante anos, algo...meio automático, gestual, buscando por aquela arte oculta na mesmice das horas urbanas concretadas de nada, como se fosse à ela um presente dos céus, bem como à terra esquecida na aragem aos seus frutos.
De repente, um dia, o progresso ali chegou, assim, algo insconsciente de si e da necessidade do meio.
Alguém recebera ordens dum rei para promover a acessibilidade por ali, um lugar algo ermo, não fosse o colorido daquelas flores sazonais...de todas as primaveras desapercebidas que desabrochavam graciosamente...vida.
Cumpra-se!
Chegou a presenciar, também por acaso de dor, a máquina que devorou em segundos a plantação ainda em folhas verdes, prestes a florescer, tudo engolido que foi, o paisagismo e os seus tenros botões, a dádiva que os pássaros levaram anos e anos para concretizar.
Concretizar de concretos e coloridos lírios do campo...vestidos de abstrata e tão rara beleza exótica, com cujas vestes rei algum do mundo conseguiria se adornar.
Era a profecia...escrita e cumprida.
Agora a cena é apática, embora emblemática: ali, uma calçada de cimento concretado corta o diâmetro duma terra árida e esfumaçada, desvitalizada de cor e de flor.
Ali não há gente,não há vida e não há sentido.
Há apenas a concretagem da insanidade que destrói a construção dos campos férteis sem sequer ouvir a voz de clemência das flores.
Bastaria-lhe agora aquele seu registro atemporal pelas lentes do tempo, e um breve passeio pela memória, cauteloso, acessível apenas pelas vias da retina e do coração.
Foi ali que entendi por que ela prontamente orou, pediu desculpas e decidiu:
nunca mais olharia os lírios do campo....
Nota: verídico, infelizmente.