Um casal, outra vida!
Assim que estacionou seu carro ao lado do local reservado para o embarque e desembarque de passageiros, Júlia avistou seu marido, com a pasta de Executivo em u’a mão e a mala na outra.
Nem desceu do carro, pois ali era uma zona apenas para estacionar alguns segundos, não poderia se demorar.
Ele entrou, deu um alô rápido, ela virou-se para ele, dando-lhe um beijo, mas a reação dele não foi a mesma! Estranhamente... frio!
Ela viu nos olhos de seu marido, um brilho diferente!
Não soube bem definir o que seria aquilo, um quê de estranho, que nunca havia percebido antes!
Saudades, talvez, pois haviam ficado separados por mais ou menos três meses.
Ele em compromissos de trabalho, em outro País e ela, esperando, ansiosamente, que ele retornasse, pois também tinha seus compromissos de trabalho na cidade.
Fez um curto retorno e tomou a direção para sua casa.
Ele, ao lado, calado, pensativo, mas Júlia decidiu não dar muita importância ao fato, pois, certamente, deveria estar cansado e preocupado pelos compromissos assumidos na Empresa. Afinal, tinha um alto Cargo Executivo, na Multinacional onde trabalhava e havia ficado muito tempo longe, resolvendo problemas importantíssimos em relação à filial Alemã.
Ela, quase timidamente, arriscou uma pergunta:
E aí, Roberto, como foi a viagem, amor!? Até agora você não comentou nada, está muito silencioso, algo não saiu como o esperado por lá?
E, enquanto dirigia, passou-lhe, suavemente a mão pelos cabelos, acariciando-o.
Ele balbuciou uma resposta, quase que inaudível, de alguém que, realmente, não queria conversar naquele momento. Ela se calou, em respeito ao quê, não sabia ao certo. Porém, manteve-se atenta ao tráfego, que era intenso àquela hora da noite.
Continuou o percurso que os levaria a seu Apartamento mas, algo não estava bem com ele, isso estava visível, a qualquer olhar menos observador!
Era uma espécie de sexto sentido, uma mágoa apertando seu peito, que, por mais que conseguisse, não saberia explicar aquele sentimento estranho, que a afligia!
Porém, resolveu não dar tanta atenção aquilo, atribuindo-o à angústia, devido ao longo tempo de separação que a eles havia sido imposto.
Três anos de casados. Uma lua de mel espetacular, em Cancún, ilhados, sozinhos, em praias lindas e desertas, curtindo tudo de bom e diferente que a vida podia lhes dar! Foram 20 dias de pleno sonho!
Ao despertarem, iniciavam o dia, com carinhos e afagos trocados, preliminares quentes e maravilhosas, faziam amor e, depois, ficavam de mãos dadas, conversando em como tudo estava maravilhoso, tomavam uma bela ducha, naquele Hotel Cinco Estrelas, desciam para um farto e saboroso café da manhã e depois...praia, sol, passeios de barco pela exuberante Ilha, almoço no hotel, ou mesmo um lanche no próprio barco de passeio, caso se tratasse de um percurso longo, voltavam para o Hotel, tomavam banho, deitavam-se e, novamente, as carícias trocadas, davam início a mais uma sessão de Amor, repleto de Paixão, beijos e promessas trocadas!
Faziam muitos planos! Ele seria promovido logo, a Gerente da Empresa Multinacional onde trabalhava, há cinco anos, comprariam um belo Apartamento e teriam dois ou três filhos. Tudo nos mínimos detalhes que os sonhos permitem!
Como haviam previsto e desejado, ele, após o primeiro ano de casamento, foi promovido a Gerente Geral de Exportações e, a única coisa que a deixava triste e preocupada, era o fato de que ele vivia viajando, para o Exterior.
Afinal, tinha que fazer juz ao alto salário recebido, em Dólares, nos últimos dois anos.
Adquiriram um belo Apartamento em área nobre da cidade, ela, com seu trabalho em um grande e importante Escritório de Advocacia em São Paulo, não era mulher de ficar em casa, esperando o marido chegar, para contar as novidades do dia a dia.
Era uma mulher ativa, inteligente e, quando se casou com Roberto, sabia bem o que queria. Ela o escolhera para seu companheiro de vida, para ser o pai de seus filhos, quando os tivesse. Conheceram-se logo após o término da Faculdade de Direito, em uma reunião de negócios.
O carro trafegava normalmente pela Via expressa, vindo do Aeroporto Internacional, em direção a sua casa e, até então, não haviam trocado uma palavra sequer, quando ela, tentando quebrar o gelo, que havia se instalado entre os dois, voltou a arriscar a pergunta de antes, dando uma entonação diferente a sua voz. Mais doce, suave, demonstrando solidariedade, para o caso de algo ter dado errado nos negócios da Empresa.
- E então, amor, me conte! Como foi a viagem!?
- Bem, correu tudo como previsto. E encerrou a conversa por ali.
Estava acontecendo algo que fugia a sua compreensão! O que poderia ser?
Ele não era assim! Se bem que, nos últimos meses, Roberto aparecia em casa sempre um pouco mais tarde do que de costume mas, como tinha um dos mais altos Cargos na Empresa, claro, estava sempre em reuniões, intermináveis!
Por vezes, chegando em alta madrugada!
A desculpa era sempre a mesma: foi levar alguns clientes de outros Países, para conhecerem a noite Paulistana.
Mas... seria algo muito mais sério!? Preocupação tola!? Intuição feminina!?
Ah! Mas que bobagem! Ele estava era exausto, três meses fora do País, com uma responsabilidade enorme nas costas... Talvez, quem sabe, nem tudo teria saído conforme o esperado e ele sentia-se preocupado, é claro!
Porém, em uma entrada à direita, ele disse:
- Júlia, entre aí, vamos parar naquele Restaurante que costumamos freqüentar que, além de estar morto de fome, cansado, preciso muito falar com você. Seriamente!
Ela se assustou!
- Mas, Roberto, se você está tão cansado, não é melhor chegarmos em casa antes, tomar uma bela ducha, descansar um pouco e depois sairmos para jantar?
- Não, Júlia, preste atenção, na primeira saída à direita. Entre aí e vamos parar.
Sem nada entender, ela obedeceu e pararam em uma Churrascaria, onde costumavam jantar, aos finais de semana, com um casal de amigos.
Ele, Alberto, era Médico Ortopedista e a esposa, Márcia, era Advogada da mesma Empresa em que Roberto trabalhava.
Eram amigos há mais ou menos dois anos e costumavam sair, quase todos os fins de semana, para jantarem, irem a uma boate, dançarem, enfim, diversão de dois casais que se entendiam perfeitamente. Eram amigos!
Sentaram-se, na mesa de sempre, que encontrava-se vaga, ele pediu uma garrafa de Vinho Tinto, de boa qualidade, pois era um exímio conhecedor de Vinhos, e, logo no primeiro cálice, Roberto, olhando-a nos olhos, sem nenhum sinal de fraqueza, arrependimento ou mesmo respeito ao momento, disse-lhe:
- Júlia, eu quis parar aqui, porque não vou voltar com você para casa.
- Como?! Atônita, pensando não ter ouvido bem, quase engasgou com o vinho e,
repetiu a pergunta:
- Como foi o que disse?! Não entendi, Roberto! Você vai à Empresa, a essa hora
da noite? Para quê?
- Não, Júlia! Não vou para a Empresa agora.
Fitou-a longamente, no fundo dos olhos, tomou suas mãos entre as dele e disse-lhe:
- Nosso casamento termina aqui, Júlia. Eu sinto muito, mas não tem outra maneira de dar-lhe essa noticia. Estou apaixonado por outra, fomos viajar juntos, a trabalho, tivemos três meses para acertarmos tudo entre nós e, daqui, vou pegar um táxi e irei, diretamente, para nossa casa!
- Como assim, “nossa casa”? Roberto, pelo amor de Deus, explica-me direitinho essa história! Você está de brincadeira comigo!? Não faça isso! Não estou achando graça!
- Não é nenhuma brincadeira, Júlia! Tivemos um casamento muito bom, por um tempo, fizemos planos mas, há tempos, faltava-me algo, eu não estava feliz e, há um ano atrás, encontrei outra mulher, apaixonamo-nos, perdidamente, e queremos passar o resto de nossas vidas juntos.
Ainda bem que não tivemos filhos, é mais fácil assim!
- Mas, querido! Isso não tem nenhuma lógica! Planejamos ter nosso primeiro filho o ano que vem, agora que o Apartamento encontra-se pago, não temos dívidas, eu ganho bem e você melhor ainda!.. Me diga que está brincando, por favor!
Essas coisas não acontecem assim, da noite para o dia!
- Não foi da noite para o dia, Júlia! Eu e a Márcia descobrimos que nos amamos muito e pensamos em como dar-lhes a noticia, a você e ao Alberto, pois há uma grande relação de amor, paixão, companheirismo e química forte, entre nós dois.
Queremos ficar juntos, ter nossos filhos, p’ra valer!
Enfim, querida! Não há como mudar essa situação. Ela deve estar, nesse momento, conversando também com o Alberto e irá diretamente para o Apartamento que adquirimos, juntos e, assim que nossos divórcios saírem, nos casaremos.
Queremos legalizar nossa situação o quanto antes!
Ela, atônita, assustada, sem acreditar ainda em tudo o que ouvia, balbuciou, palavras quase inaudíveis, contendo as lágrimas.
Não queria demonstrar fraqueza, naquele momento, diante dele.
- Você e Márcia!? Justamente ela, mulher do Alberto, seu melhor amigo?
Nossos amigos de tanto tempo? Como isso foi acontecer? O que eu fiz para afastar você de mim, assim, Roberto?
- Você não fez absolutamente nada, Júlia! Casei-me com a pessoa errada, só isso!
Eu pensei tê-la amado, mas, agora que conheci o verdadeiro amor, é que vejo que tudo entre nós não passou de uma amizade, algumas afinidades, mas não era amor! Agora sim, tenho plena convicção de que amo Márcia, ela também me ama e, queremos ficar juntos, construir uma família!
É sério! Não é nenhuma brincadeira, que já não somos mais adolescentes!
Ela sim, completa-me! Faltava algo entre nós dois, que não me falta com ela. Não me pergunte mais nada, porque eu não saberia responder.
Já está tudo decidido. Vou para nosso Apartamento hoje mesmo e vamos iniciar nossa vida juntos, pois essa situação duvidosa, escondida, está nos deixando muito mal. Agora, nessa viagem de negócios, onde ela também participou, tivemos a oportunidade de decidir pela nossa felicidade.
É claro que sentimos por você e por Alberto, mas não há outra saída!
Só voltarei ao Apartamento para buscar o restante de minhas coisas, pois já tenho algumas lá, que fui levando, aos poucos, sem que você percebesse!
E, falando isso, levantou-se, pegou sua mala e a maleta Executiva, acenou para o Garçom anotar a despesa para depois e, sem nem mesmo lançar um olhar para aquela mulher destruída, sozinha, fragilizada, saiu!
Júlia ainda viu quando ele tomou um táxi na porta do Restaurante e foi embora, sem olhar para trás!
Júlia não se lembra, até hoje, como chegou em casa. Como conseguiu dirigir o restante do trajeto, até seu Bairro, entrar em sua casa, tomar um banho e cair na cama. Só se deu conta do acontecido, no dia seguinte.
Mesmo assim, ao levantar-se, pensou tratar-se apenas de um grande pesadelo!
Já passava das dez horas da manhã e, a primeira coisa que fez, foi pegar o telefone e ligar para Roberto.
A Secretária atendeu e disse que ele não havia chegado ainda, pois teria uns problemas pessoais para resolver e que só iria ao Escritório à tarde.
Tinha uma reunião com a Diretoria, para passar o Relatório dos três meses em que ficou na Gerência Comercial das Empresas na Alemanha!
À tarde, como ele não retornou a ligação, ela ligou novamente.
A Secretária disse que ele não poderia atender, no momento, e que ligaria no dia seguinte.
Júlia, sem raciocinar direito, desceu até a Garagem do Edifício, pegou seu carro e dirigiu-se à Empresa. Ficava próxima a sua casa. Chegaria em alguns minutos.
Quando estava procurando um lugar para estacionar seu carro, viu a porta da Garagem da Empresa em que ele trabalhava abrir-se e Roberto sair com seu carro, na companhia de Márcia. Estavam felizes, sorrindo!
Ela não pensou duas vezes! Seguiu o carro de Roberto, sem que ele percebesse, tão envolvido estava com ela, os dois conversando animadamente e, em cada semáforo em que paravam, se beijavam, como dois adolescentes!
Júlia estava injuriada! Se tivesse uma arma, bateria no vidro do carro e, quando ele abrisse, ela seria capaz de matar os dois!
Falsos! Mentirosos! Piranha!!!
Estranhamente, ela não chorou! A raiva e indignação eram tantas, que parecia um robô. Hipnotizada! Era assim que ela se sentia!
Até que o carro de Roberto parou em frente a um Edifício de alto porte, melhor até do que o deles, e, enquanto aguardava que a porta automática da Garagem se abrisse, eles se beijaram novamente.
-Maldito! Ele vai ver só. Não vai ficar assim não! Vou aprontar o maior barraco aqui mesmo, na porta do Prédio em que estão morando!
O que me importa o escândalo! Problema deles! Pelo menos me vingarei da traição dos dois cafajestes!
Como terminar um casamento de três anos, cheios de planos para o futuro, assim, na mesa de um Restaurante? Não!!! Não vou deixar barato!
Alucinada, desceu do carro e bateu no vidro do lado dele, que já encontrava-se semi-aberto. Ele quase teve um enfarte! Ficou atônito, sem nada entender!
Márcia, por sua vez, emudeceu!
- O que você está fazendo aqui, Júlia?! Não poderia poupar-nos disso!?
Já não esclarecemos tudo entre nós?
Júlia, olhou para o rosto daquele homem e, repentinamente, pareceu-lhe um completo desconhecido. Não alguém a quem ela conheceu, apaixonou-se, namorou e ficou casada por três longos anos.
Agora é que ela, realmente, sentiu o peso desses anos, vivendo ao lado de Roberto.
Em um segundo, passou uma longa história por sua cabeça!
Fitou, longamente, os olhos assustados de Roberto, não disse uma palavra sequer, entrou no carro, engatou uma ré e foi embora!
Não estava com vontade de ir para casa naquele momento! Mas não sentia nada!
Estava fria como gelo. Pareceu, realmente, um sonho ruim do qual havia acordado.
Entrou em um Bar, onde costumava ir, de vez em quando, nos tempos de solteira, com os amigos do trabalho, pediu um drink, dois e, quando já ia começar o terceiro, alguém bateu-lhe às costas!
- Júlia, menina! Você por aqui, a essas horas!
Há quanto tempo não nos vemos! Três, quatro anos!? Meu Deus, que surpresa!
Era Jorge, um antigo colega de Universidade, Engenheiro, alguém com quem já tivera um romance, por alguns meses, quase um ano, algumas noitadas divertidas no Apartamento dele, antes que ela se formasse e conhecesse Roberto.
Ele pediu um drink também e, Júlia, em poucas palavras, relatou tudo o que havia acontecido em sua vida. Inclusive o acontecido naquela noite!
- Que loucura!, Disse-lhe Jorge! Não acredito em algo assim!
Pegou sua mão e percebeu que ela estava fria, como se nada sentisse.
Jorge também contou-lhe o que fez de sua vida, nesses três ou quatro anos em que não se viam. Casou-se, separou-se dois anos depois, não tinha filhos, possuía uma Construtora e morava sozinho.
Enfim, ele não tinha ninguém! Havia terminado um relacionamento de poucos meses e agora estava solteiro, mas feliz!
E, papo vai, conversa vem, acabaram no Apartamento dele, um pouco “altos”, mas sóbrios o suficiente para saberem o que queriam.
Fizeram um amor como ela nunca tinha sido capaz de fazer com Roberto, apesar de amá-lo muito! Ou não...
Ela só sabia que sentia-se diferente, à vontade com Jorge, como quando eram estudantes, da mesma Universidade, ela no Curso de Direito e ele do de Engenharia. Só que, agora, havia algo mais! Uma sensação de plenitude,
que não conseguia definir, talvez pelo efeito dos vários drinks ingeridos!
Exaustos, caíram em um sono pesado.
No dia seguinte, embora despertando mais tarde do que era seu hábito,
sentiu-se tão leve quanto uma pluma.
Beijaram-se, com paixão, fizeram amor novamente, como se fora a primeira vez!
Combinaram de encontrar-se no próximo fim de semana e beijaram-se, demoradamente, ao se despedirem.
Júlia pegou seu carro e dirigiu até em casa, como se fosse uma nova mulher.
Roberto!? Era uma passado tão distante! Inacreditável!
Seria uma vingança pela traição sofrida? Estava, apenas, indo à forra e, tudo o que havia acontecido naquela noite entre ela e Jorge, não passava de um incidente,
que não se repetiria? E ele? O que será que Jorge, que sempre nutriu uma atração por ela, desde aquela época, estaria pensando quanto ao futuro dos dois?
Ela não sabia o que iria acontecer e nem queria fazer nenhum plano a respeito desse relacionamento! Foi uma noite deliciosa! Apenas isso!
Ela sentia-se viva, de bem com a vida, sem mágoas ou ressentimentos!
Continuou dirigindo, em direção ao seu Apartamento, entrou, tomou um banho reconfortante, trocou-se e foi trabalhar, como se nada houvesse mudado em sua vida, na noite anterior!
Como se sua vida estivesse começando ali, naquele momento, e, aqueles três anos, acordando, todos os dias, ao lado de Roberto, não tivessem existido.
Tudo fazia parte de um sonho irreal, que jamais havia vivido!
Pegou seu carro e foi para o trabalho sorrindo, leve, feliz!
E aí, percebeu que, há três anos, desde aquela lua de mel em Cancun,
não se sentia tão bem assim!
Então...tudo teria sido um tremendo equívoco, o seu casamento, seus planos?
Falou, em alto e bom som, para si mesma!
- Sei lá! E daí? Vou deixar as coisas acontecerem.
O que vier, virá!
Só quero sentir-me tão bem assim! Ligou o som do carro em alto volume e, feliz, cantou todas as canções junto!