Sincronicidade no amor
Gilberto Carvalho Pereira - Fortaleza, 27 de abril de 2016
Sou um cara que não acredita no acaso, tudo que acontece tem uma causa determinada. Se ocorre com a gente algum acidente é porque estávamos naquele lugar, naquela hora, isto é, naquele exato momento. Se conhecemos uma pessoa da qual vamos gostar é a mesma coisa. O primeiro encontro não foi um acaso, estávamos no mesmo local, no exato momento da primeira troca de olhares. O que vem depois pode ser debitado às coincidências ou até mesmo à sincronicidade, conceito criado por Carl Gustav Jung, psiquiatra e psicoterapeuta suíço, para eventos significativos e não casuais.
Vários eventos significativos e não casuais acontecem em nossa vida a todo momento, são como sinais que quando compreendidos, podem mudar completamente a nossa maneira de ser, de perceber o mundo e tudo aquilo que nos rodeia. Esses eventos só passam a ter significado quando estabelecemos a relação de causa e efeito.
Certa vez, andando por uma rua deserta de uma cidade do interior baiano, absorto em meus pensamentos, sem direção, avistei ao longo algumas garotas entrando em um edifício de portas largas e bastante iluminado. Minha primeira reação de curiosidade foi averiguar o motivo daquela procissão. Apressei o passo e rapidamente estava em frente ao edifício da Loja Maçônica Areópago Itabunense. As garotas que ali entravam eram normalistas em noite de comemoração alusiva ao seu dia. Uma palestra estava acontecendo naquele auditório.
Para não perder a viagem, resolvi entrar também, fiquei da porta espiando. Não custou tempo eu percebi uma das normalistas a conversar initerruptamente com a sua amiga ao lado, nada de prestar atenção ao que dizia o palestrante. Resolvi, então, manter contato com ela, acenando-lhe com uma das mãos e mostrando que ela deveria prestar atenção à palestra. Ela não gostou da minha intromissão, desdenhou de minha brincadeira. Não ficou só nisso, todas as vezes que ela olhava em minha direção, eu apontava para o professor que discursava. Ela desviava o olhar em reprovação, mas sempre retornava o olhar para mim. Era uma garota encantadora, cabelos pretos e longos, morena, e muito falante.
Um colega de trabalho, curioso como eu, também entrou para verificar o que estava acontecendo ali. Ele se chegou a mim e perguntou o que era aquilo e eu respondi. Seu interesse cresceu e o fez ficar. Em dado momento avistei uma caneta da marca esferográfica Cross, cromada com detalhe. Pedi para o amigo apanhar, pois ele estava mais perto. Ao apanhar ele a colocou no bolso e eu retruquei:
— Essa caneta é minha, eu vi primeiro!
— Não senhor, respondeu ele.
Eu propus uma aposta, disse-lhe que eu iria namorar aquela garota, apontando para a moça de blusa de seda branca e mangas compridas, saia de gorgorão cor de goiaba. Ele aceitou o desafio, eu tirei a caneta do bolso dele, exclamando:
— Vou ficar com ela, pois é isso que vai acontecer!
Terminada a reunião das futuras professoras, esperei que a minha garota (assim eu já a considerava) saísse e perguntei, para iniciar um papo:
— Estava muito calor lá dentro? Eu posso acompanhá-la? Não a deixei tomar fôlego para responder. Onde você mora? É longe?
Não houve resposta, mesmo assim continuei em seu encalce. Ela só veio a falar quando estávamos perto de sua casa, dizendo:
— Você deve voltar daqui, meu pai é homem brabo.
Eu insisti, mas ela não disse nada mais, apressando o passo. Percebi que um irmão dela se aproximava. Para evitar confusão afastei-me e fui para casa, meio chateado, pois temia não reencontrá-la.
Daí em diante, os eventos que se sucederam foram alimentando e delineando os detalhes de uma nova realidade à minha volta, os sinais emitidos foram por mim captados, permitindo-me refazer novo caminho e direção de vida. Para Jung, temos quatro funções básicas: razão, emoção, sensação e intuição, podendo uma delas predominar. Trabalhadas internamente estas quatro funções equilibradamente, manifesta-se uma quinta função, a sincronicidade. Para o psicoterapeuta, tudo no universo encontra-se interligado, em sincronia e os atos por nós praticados, afetam diretamente a quem está a quilômetros de você.
Deixando de filosofar, no dia seguinte fui participar, a convite de uma professora e em outro local, do encerramento da Semana da Normalista. Não pensava encontrar a garota dos cabelos compridos por lá. Mas ela estava, acompanhada de uma irmã menor. Procurei sentar-me junto a elas, pois havia cadeira vaga. Conversamos bastante, cheguei, por ousadia, segundo ela, a sapecar-lhe um beijo. Acho que ela gostou. Ao término do evento a convenci que eu deveria acompanhá-la até próximo à sua casa, já que o pai dela era bravo. No trajeto fui informado que ela viajaria para Salvador no outro dia. Despedimo-nos sem marcar outro encontro.
Passados trinta ou quarenta dias, encontrei com a irmã dela que me informou sobre uma festa de aniversário, perguntando se eu não gostaria de ir. Eu fui, dançamos toda a noite, novamente outra despedida sem marcação de novo encontro. Achei que esse seria o último. Dois ou três meses depois ela telefonou para o meu local de trabalho, perguntando se eu poderia apanhá-la na aula de datilografia. Eu fui, acertamos que iríamos namorar e assim aconteceu. Dois anos depois nos casamos. Tempos depois, ela me contou que resolvera telefonar para mim porque uma sua colega havia mostrado uma foto, onde eu estava presente e em companhia dessa garota. Fazendo inveja às colegas, a estudante informava para as demais que aquele da foto, eu, era o seu namorado. Então, fui apanhar a caneta Cross, guardada desde o primeiro encontro, contei a sua origem e a ofertei como presente.
A partir do primeiro encontro, sem consequência e sem ato deliberado, tudo caminhou para que eventos significativos e não casuais mudassem a nossa realidade e passassem a fazer sentido para nós, consequência da sincronicidade no amor. Estamos juntos há quarenta e seis anos.