UMA VOVÓ RACISTA

UMA VOVÓ RACISTA

Salvador 1964

A avó da minha ex-esposa, era uma figura.

Muito elegante, medindo 1,60 de altura, e sua pele bem alva. Andava de avião para onde queria ir passear. Fazia questão ao ser apresentada a alguém de ir logo dizendo que tinha 90 anos e era avó de 12 netos e 23 bisnetos. Sempre procurava se vestir de forma impecável e ser acompanhada por alguém que se vestisse muito bem, caso contrário ela seguia sozinha.

Um dia a minha ex- esposa inventou de levá-la para assistir uma comedia, acreditando que ela ia gostar. O filme anunciado passaria a ser exibido no cine Tupi. Naquela época este cinema era um dos mais frequentados de Salvador. Na sala dedicada aos clientes para assistirem as seções, era decorada em seu teto por fundos de garrafas brancas. Quando as luzes eram apagadas, e o reflexo do projetor, que durante a projeção lançava seu facho de luz, fazia com que o teto refletisse nos fundo de garrafas presos ao teto, brilhassem parecendo luzes acesas sobre as cabeças do espectador. A sala de espera era decorada com enormes espelhos.

Para sairmos de casa, achei por bem, usar meu paletó italiano esporte de cor mostarda, uma calça cinza chumbo de tropical e meu belo sapato Samelo. Adorava aquele paletó que eu havia comprado na Casa Severino da cidade de Belém. Naquela época o contrabando imperava em Belém. Poderíamos encontrar contrabandeados em casas comerciais, desde as meias espuma de nylon ao mais luxuoso Cadilac “rabo de peixe”. Era um carro lindo demais.

Pois bem, fomos ao cine Tupi de taxi. Ao entramos a vovó foi logo verificar seu penteado diante de um espelho. Muito elegante, ela trajava um taier azul escuro impecável.

Entramos para assistir a comedia.

Quando a luzes foram apagadas para dar inicio a fita, a coisa não prestou.

Vovó começou a gritar: ““ que falta de vergonha é essa?” “sem vergonhas... Apagam as luzes para ficar nesta escuridão.”

Fiquei passado com aqueles insultos proferidos pela vovó. Tentei acalma-la, porem sua revolta era grande e continuava a insultar as pessoas aos berros da falta de luz. Aos poucos, o teto ficou mais brilhante e os fundos de garrafas presos a este, pareciam luzes acesas.

Vovó ficou mais calma e disse:

- Tá vendo? Só por que eu reclamei eles acenderam as luzes do teto.

Fiz muito esforço para prender uma gargalhada.

Na saída, taxi estava difícil para pegarmos um. O Jeito era mesmo irmos de ônibus. O primeiro que passou nós pegamos e estava quase lotado.

Salvador é uma cidade repleta de pessoas de cor negra. Como não podia deixar de ser, no ônibus havia muito destas pessoas de cor.

Então a coisa ficou péssima. Simplesmente vovó se sentiu ultrajada ao manter contato físico com um passageiro mulato.

- Te afasta de mim, negro safado.

Os demais passageiros a olharam com bastante indignação e eu logo pedir desculpas a todos dizendo que ela contava com 90 anos e não costumava andar de ônibus. Mas alguns estavam de caras amarradas e com razão. Para meu alívio, um passageiro lhe ofereceu a cadeira que ela prontamente aceitou. Quando chegou a hora de descermos, a ajudei e quando ela já se encontrava fora do ônibus um gaiato gritou de dentro do veiculo:

- “Já vai vovó?” Pra que esta pessoa falou tal coisa?! Vovó deu meia volta e abriu o berreiro:

- Eu nao sou avó de negro. Veja a minha cor “seu” negro safado.

De dentro do ônibus um coro fez de ouvir antes que o motorista desse marcha:

- Não esquenta não vovó que tu tá na Bahia. Risadas e gargalhadas eram ouvidas e vovó não parava de bradar.

Carlos Neves
Enviado por Carlos Neves em 28/04/2016
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