PÃO OU POESIA OU PANIS ET CIRCENSES
Saí para comprar pão, mas ainda no elevador lembrei de que era dia de fazer um novo poema. E agora — pensei — pão ou poema? Há um bom tempo que eu já vinha agindo daquela forma excludente: se pão, não poema; se poema, não pão.
Eu não me sentia legítimo comendo pão e fazendo poemas, ou fazendo poemas e comendo pão. Por conta disso, quase sempre acabava passando fome porque, cada vez mais, crescia em mim uma vontade misteriosa de fazer mais poemas. Daí que quando eu comia menos pães, sentia mais fome e fazia mais poemas; fazia mais poemas, comia menos pães e sentia mais fome.
Envolvido naquele dilema, eu não percebi a porta do elevador já aberta com aquela velhinha na minha frente:
— Sobe?
— Como assim, sobe?! — A velhinha... será que ela percebera a minha angústia e quis sugerir que eu decidisse ali se iria comprar pão ou se iria voltar e compor um novo poema?
— Então, meu jovem, sobe ou desce; estamos no play, não é mesmo?!
Aquela velhinha... ela estava usando Alfazema Suíssa! — aquele cheiro começou a exalar por toda a cabine do elevador e a me remeter às lembranças do meu passado em criança: eu de banho tomado, a noite chegando e a minha mãe se apressando em acender a luz muito fraca da cozinha, o pão quentinho comprado da padaria, enrolado em papel de embrulho e amarrado com aquele barbante que pendia lá de cima... de uma cuia vazia de queijo Reino furada no meio e presa ao teto com arame...
— Meu filho, você, por acaso, está indo à padaria...? Se for, pode comprar o meu pão?
— Sim! — Não sei como, nem por que, mas respondi que sim.
— Olha, eu gosto daqueles bem moreninhos, hein! Não esqueça: moro no 602.
Depois desse dia, a minha situação mudou: descobri que comendo mais pães, passei a fazer mais poemas. E olha que tenho feito muitíssimos poemas.
Agora, esse tal de triglicerídeos aí é que está enchendo o meu saco! Mas isso já é outra história.