O EX-PACIENTE

Eliseu acordou na cama de um hospital após longos vinte anos. Um acidente manteve o idoso em coma durante todo esse tempo. Ele não lembrava muito do que aconteceu naquela tarde de sábado nublado. A estrada estava escorregadia e o seu carro foi atingido por um caminhão de um motorista bêbado. A única coisa que sobrou de seu carro foi um vasilhame feito de barro com água mineral. O idoso desfaleceu e foi mantido vivo na UTI sob aparelhos. Ele sofreu uma pancada no cérebro fortíssima, mas sobreviveu ao acidente. O paciente olhou pela janela do hospital e visualizou carros modernos. A paisagem estava diferente. Algumas àrvores não existiam mais defronte ao Hospital dos Franciscanos. Quando a enfermeira veio trazer a medicação, Eliseu percebeu que ela portava um aparelho telefônico que não tinha teclado e tinha uma câmera fotográfica. Quanta modernidade. Ele perguntou sobre o que aconteceu com o seu país nestes últimos vinte anos. O paciente foi informado que a educação piorou os seus índices, os aposentados tiveram que complementar a sua renda com subempregos. A escola em que lecionou foi fechada por falta de investimentos do poder público. O bairro em que ele nasceu estava tomado por gangues violentas que proliferaram com ausência do Estado. Quanta mudança. Quando saiu à rua o ex-paciente presenciou um trânsito caótico. Ali não tinha mais espaço para ciclistas e pedestres. Ele teve saudades dos dias calmos e sem barulho das buzinas. Mas o que chamou a sua atenção foi a enorme quantidade de mendigos nas ruas. Eliseu entrevistou alguns deles. Cada um tinha uma estória diferente. Uns perderam emprego na fábrica falida, outros foram funcionários de um grande loja de departamentos que tinha encerrado as atividades. Naquele momento o seu país vivia uma crise econômica e política. Todos foram atingidos pela crise. O ex-paciente viu enormes edifícios e shoppings fechados. Ali existiram no passado algumas casas de colegas de trabalho que foram substituídas por estes grandes prédios. A farmácia de um amigo chamado Cruzeiro não existia mais, em seu lugar tinham enormes farmácias que pareciam lojas. Na esquina de um estacionamento, ex-paciente tomou um táxi que trazia um objeto estranho chamado de GPS. As pessoas chamavam estes carros de Úber. Quando desceu do carro na rua da Alameda o idoso teve uma surpresa. A sua casa pertencia agora a administração municipal. Ele devia tantos impostos que a casa foi tomada pela prefeitura. O idoso não tinha parentes ou amigos. Eliseu dirigiu-se a um hotel. No quarto, o ex-paciente ligou o televisor e soube pelo telejornal que o seu país fora governado por um sociólogo e um operário. Ele descobriu também que os níveis de corrupção estavam altíssimos no atual governo. Quando trocou de canal, Eliseu descobriu que a atual governante de seu país estava sendo cassada por crime de responsabilidade fiscal. Tudo mudou. A política, a segurança pública e a educação. As pessoas estavam sem esperança alguma de melhoria em suas vidas. Eliseu decepcionado, pensou: - Vou retornar ao coma, quem sabe daqui a uns vinte anos o meu país estará melhor do que hoje. Ele saiu do hotel, mas ainda olhou para trás quando um desconhecido chamou o idoso de coxinha. O ex-paciente vestido com uma camisa amarela não entendeu nada e retornou ao hospital para dormir novamente.

Levi Oliveira
Enviado por Levi Oliveira em 17/04/2016
Reeditado em 17/04/2016
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