Conto do improviso
Conto do Improviso
Agonizava Seu José Pereira da Silva no passeio estreito de uma Rua Singular. No bolso da camisa a velha carteira de identidade lhe dava o nome.
Olhares apressados de curiosos conferiam atônitos a gravidade da vítima sem nenhum compromisso com ela. Passos ligeiros quase lhe pisavam a mão. Alguns paravam por alguns minutos e esperavam que ele reagisse, e como isso não acontecia, torciam para que finasse logo, pois tinham pressa.
Eu me abaixei e segurei sua cabeça seguindo orientação de um bombeiro num programa de televisão. Era para fazer apenas isso, então fiz. Perguntaram-me se era meu parente, e quando eu respondi que nem o conhecia, mostraram-se irônicos. Houve quem perguntasse:
— Então, o que você está fazendo aí?
Olhos fechados, corpo trêmulo, espumando pela boca rija, era assim que estava José Pereira estirado na calçada de cimento, depois de ter sido atropelado. “Foi só de raspão”, diziam alguns. O motorista escafedeu-se. E apesar de tudo, lá estava o homem quase sem vida. Desconhecido de todos, ninguém se interessou por sua salvação.
Uma mulher falava afoita: “Eu vi tudo, ele atravessou sem olhar. É nisso que dá a pressa!”. E dessa forma o pobre desconhecido Zé Pereira passou a culpado do próprio atropelamento.
Alguém chamou o resgate do Corpo de Bombeiros dizendo que a Rua Singular estava com trânsito parado por causa de um homem quase morto que bloqueava a circulação, que viessem logo para liberar o trafego.
Mas, não deu tempo, Zé finou.
Finalmente, levaram-no. E assim pode o transeunte circular à vontade sem ter que desempenhar nenhum outro papel. E fluiu o trânsito para alegria dos apressados motoristas.
E o dia passou sem nenhuma outra novidade.