UMA ROSA COM AMOR

No caminho da escola para casa, como sempre, vinhamos conversando, falando sobre os professores, sobre as matérias, sobre a carga, a nosso ver excessiva, das tarefas escolares que trazíamos para fazer em casa. Apesar do sol forte, não tínhamos pressa de chegar.

Era tão confortável a presença dela que o calor e a luz forte não me incomodavam.

Estudávamos na mesma escola, mas em salas separadas porque, Regina por ser um ano mais nova do que eu, estava na sala anterior a que eu cursava e isso era mais um motivo para estarmos juntos, eu ajudava a tirar as dúvidas surgidas durante a realização das tarefas.

Lembro-me bem que numa terça feira, logo depois do almoço, minha mãe me disse:

- Dona Hilda esteve aqui em casa e pediu para você ir ajudá-la com o jardim.

- Mas eu tenho muita tarefa da escola para fazer.

- Você vai para lá agora e ficará até as quatro da tarde, quando voltar para casa fará as tarefas.

- Acho que não vai dar tempo.

- Vai dar sim e faça o que estou mandando.

Sem alternativa, me mandei para a casa da vizinha.

Era praticamente um sítio e ficava na ponta da rua, esquina por onde eu passava todos os dias para ir e vir da escola.

Muro com grades de ferro pintadas de verde com muitos pedaços destacados por conta das intempéries, sol, chuva, noites frias, dias escaldantes.

Portão pesadão, também gradeado, ostentava lá em cima, uma mola com o sino de bronze para anunciar a presença de qualquer um que mexesse no portão.

Dona Hilda estava sentada na varanda e me mandou entrar.

O jardim era imenso. Muitos canteiros floridos com rosas de cores e formatos variados que mais tarde eu soube que era réplica dos jardins de Versailles.

No centro, um tanque retangular guarnecido com lajotas amareladas, com um chafariz bem alto no meio. A água escorria de uma ânfora sobre o ombro da ninfa de pé numa concha marinha, sustentada pelas caudas de peixes de cujas bocas enormes se projetavam esguichos para os semicírculos que ligavam as laterais do tanque que devia ter oitenta centímetros de altura para o lado de fora, mas bem profundo na parte de dentro, onde viviam muitas carpas de diversas cores.

Subi os cinco degraus semicirculares da escadinha de mármore que dava acesso ao alpendre largo do casarão e com voz sumida disse.

- Boa tarde dona Hilda. Minha mãe disse que era para eu vir falar com a senhora.

- Sim meu filho. Eu já estava lhe esperando. Preciso que você me ajude a podar essas roseiras que estão com galhos secos. No carro de mão, e apontou a carriola estacionada no jardim, tem a tesoura de poda, e as outras ferramentas que você vai precisar.

- Mas eu não sei fazer isso. (retruquei na esperança de me ver livre daquele serviço)

- Não tem segredo nenhum. Venha, vou lhe mostrar como deve fazer.

(e a bruxa velha segurando a tesoura disse) Você deve podar os galhos perto do tronco principal, pouco antes de um nó ou de uma borbulha. (e mostrou o que era borbulha.)

Coloque o ramo cortado dentro da carriola para não furar seus pés com os espinhos.

Depois, arranque todos os capins, revolva a terra e coloque estrumo junto aos pés das roseiras.

Quando terminar tudo, regue com a água do chafariz.

Use aquele regador ali e coloque os ramos cortados dentro do buraco no chão do quintal depois do pé de manga rosa.

Novamente sem alternativa, obedeci.

Durante as semanas seguintes, me habituei com o trabalho no jardim e aprendi a dividir o tempo entre os deveres escolares e o serviço que durou até eu entrar para o exército e pelo qual nunca recebi um centavo.

Nas sextas feiras, pouco antes das quatro da tarde, dona Hilda me entregava a rosa mais bonita do jardim e dizia:

- Leve essa rosa com amor para aquela menina linda.

Hoje é sexta feira e eu vou ao cemitério levar uma rosa para Regina cumprindo a rotina de setenta e tantos anos.

Sinto muita saudade daquele tempo, mas os anos passaram e o casarão deu lugar a vários prédios do condomínio Vila Hilda onde não há lugar para jardins.

O chafariz sumiu na bruma do tempo e as peças de bronze, tão bonitas e bem trabalhadas, devem ter se transformado num desses monstrengos, apelidados de obras de arte, espalhados pelas praças.

Do nosso casamento, não tivemos filhos, mas o meu namoro com Regina durou mais de cinquenta anos.

O trabalho no jardim de dona Hilda despertou meu gosto por plantas e tornei-me produtor de flores.

Sou muito grato àquela senhora que disse à minha mãe que, em vez de me castigar por pular o muro do casarão para roubar as rosas para Regina, eu devia aprender a cultivá-las para saber quanto é trabalhoso e assim respeitar o que é alheio e, principalmente, que direitos e deveres são irmãos siameses, inseparáveis.