Encanto das Águas PARTE I

Me vi diante de uma beleza pacata, serena, doce e humana. Olhos castanhos vibrantes, lábios cheios e rosados, rosto sóbrio, com traços finos. Os cabelos fechavam o quadro, dando um ar de magia a figura que se movia na minha frente. Sua voz ainda ecoava em meus ouvidos, como se um canto de sereia estivesse encantando meu espírito e me arrastando para o abismo das águas. Não me recordo de ter visto ou ouvido nada parecido, a não ser por uma gravação de Clara Nunes, de quem papai sempre fora fã, na qual ela cantava O Mar Serenou. A imagem daquela mulher belíssima nunca saiu dos meus olhos e agora eu podia vê-la na figura daquela soberba cantora, num palco modesto de um bar de esquina, cantando como se fossem os anjos no coral do céu. Parado como uma esfinge diante do palco, segurando uma bebida já quente, me vi transportado para outra dimensão. Salvador é uma terra linda! – Pensei com um sorriso bobo nos lábios. Cícero, que estava ao meu lado, me cutucou me tirando do transe.

-É melhor limpar a baba, Samuel. Tá todo mundo olhando.- O homem soltou uma gargalhada e fiquei vermelho. Não sei o quanto fiquei embasbacado com aquela moça, mas parecia óbvio que não disfarcei. Virei o conteúdo do meu copo de uma só vez e fiz uma careta quando a bebida saiu rasgando a minha garganta. – É bonita, não é ? Eu disse que valia a pena sair daquele buraco a que você chama de quarto.

- Como...como ela se chama?

-Beatriz Nogueira. Tem uma voz de anjo.

- Sim...

-Assim que ela encerar o show, te apresento.

-O que? Me apresentar? – A simples ideia de estar diante dela me deixou inquieto. Uma beleza como aquela não era fácil de encarar sem perder o controle.

-Deixa de agonia, homem. Você vai gostar de conhecê-la. É um doce de menina. – Cicero deu dois tapinhas em meu ombro e sorriu. Beatriz acabou de cantar e acenou para o público, saldando-o com uma reverência e um sorriso. As pessoas a aplaudiram com alvoroço, algumas até de pé. Embora o local não estivesse cheio, o barulho conseguiu me ensurdecer e não ouvi quando Cícero me chamou. Só notei o que estava para acontecer quando ele me puxou pelo braço e me deparei com um sorriso lindíssimo e uma mão estendida.

-Então você é Samuel?

-Ãh...sim, é..sim, sou Samuel.

-Cícero disse que traria você. Então, gostou do show?

-Adorei! Foi magnifico!

-Ele ficou encantado, Beatriz. Quase babando...- Corei imediatamente e ela apenas sorriu. Minha mão ainda segurava a dela e senti o toque suave da sua pele. Cícero pigarreou e notei que ela largou minha mão com rapidez.

-Espero que aproveite o resto da noite, Samuel. Agora tenho que ir. – Um homem alto se aproximou de nós e ela se afastou. Olhei com cara interrogativa para Cícero, que deu uma piscadela que me deixou ainda mais intrigado. O homem a agarrou pela cintura e seguiu em direção a uma mesa onde as pessoas a cumprimentavam efusivamente.

-Quem é?

-Jorge...

-Jorge?

-Marido dela

-Não me disse nada sobre ela ser casada...

-Bom, não vou muito com a cara dele.

-Por quê? – Cícero me encarou por alguns instantes e não pude decifrar o que seu olhar queria dizer, embora alguma parte de mim desconfiasse.

-É melhor a gente ir, carioca. Amanhã ficamos de visitar o Pelourinho, lembra?

-Mas...

-O show já acabou, não temos mais nada a fazer aqui. Vou deixar você no hotel...- Ainda que quisesse argumentar que era cedo demais para irmos, não poderia. Ele era irredutível e já estava perto da saída quando finalmente me levantei e o segui.

Carol S Antunes
Enviado por Carol S Antunes em 08/04/2016
Reeditado em 29/10/2022
Código do texto: T5599234
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2016. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.