ONDE VOCÊ ESTAVA QUANDO O MISSIL CAIU? - O regresso de Sara.

O que poderia ter sido e jamais foi? Que erros levaremos com nosso fim? Quais os desejos não realizados? Quantas promessas não cumpridas? E qual a importancia de nossas pequenas vidas cotidianas diante da incerteza do amanhã?

Alan naturalmente não pensava em nada disso. Para ele era só mais um dia como tantos outros. Não podia prever que surpresas o aguardavam e também não que seria o seu ultimo dia de vida e de todos aqueles que amava.

Tinha chegado do trabalho a cerca de uma hora. Já tinha acordado o filho, supervisionado seu banho e preparado o lanche que o menino levaria na lancheira. Esperava agora que Liam tomasse o café da manhã. Logo chegaria a van para leva-lo até a instituição. Às quintas feiras o menino tem fonoaudióloga e oficinas de artes. Carolina, a babá do filho, tinha acabado de sair. A moça era uma estudante de psicologia e ia do trabalho direto para a faculdade. Ela, uma garota atenciosa e agradável com pouco mais de 20 anos e Liam adorava sua companhia e Alan percebia a reciproca por parte dela. Era importante para o menino ter alguém que o estimulasse e reconhecesse as suas potencialidades ao invés de suas limitações. Diariamente a jovem vinha para a casa por volta das 21 horas e ficava até as 7 da manhã seguinte.

O homem ouviu o som da campainha e foi até a porta esperando que fosse a moça que voltava por ter esquecido alguma coisa. Carol insistia numa formalidade desnecessaria pois preferia tocar a campainha quando o patrao estava em casa, embora naturalmente tivesse uma cópia da chave. A moça dizia ser respeito e ele intimamente apreciava seus modos discretos e respeitosos.

Assim que abriu a porta foi tomado pela incerteza.Não era a jovem. Tampouco poderia ser aquela mulher: Sara. Alan sabia que era improvável e até mesmo impossível. Ela não deveria estar ali. Não depois de tantos anos, mas principalmente porque Sara estava morta.

_ Oi Alan! Quanto tempo. Eu posso entrar?

Precisou de alguns minutos para que o homem se recuperasse do choque e entendesse que era mesmo com ele que a mulher falava, embora não tivesse mais ninguém entre eles.

_Não! Não, eu não posso entender. Como você está aqui?

_Papai! É a Caroool? – perguntou Liam com sua voz monótona e arastada.

Instintivamente Alan retesou o corpo e colocou-se fixo a porta para que o menino não visse quem estava diante dele. Se nem mesmo o homem compreendia aquilo, não poderia esperar que uma criança de 4 anos entendesse que a mãe estava viva, contrariando tudo o que lhe tinha sido dito.

Obrigou-se a falar: _Filho, toma o café e depois vai lá pra cima no seu quarto. Acho que a van vai se atrasar um pouquinho.

_Ver desenho.

_Sim, vai lá pra cima. Depois eu te chamo.

_E então Alan? Você vai me deixar entrar? – perguntou a mulher em forma de suplica e olhos marejados por ouvir a voz do menino.

Alan encostou a porta e saiu. Compreendeu o que poderia significar aquilo. Estava espantado, mas além disso tomado pela raiva. Não podia ser verdade. Falou:

_Como você se atreve a aparecer aqui depois de todos esses anos?! Meu filho cresceu sem mãe. Eu ainda choro por sua morte. Três anos e meio... faltou-lhe a voz para continuar.

A mulher consciente de sua culpa, apenas murmurou:

_Eu posso explicar.

¬_Nem tente! – bravejou o homem visivelmente alterado. - Nada do que você disser justifica a sua ausência. Caramba, Sara! Você devia estar morta. Foram dias te procurando por toda a costa. Depois de nenhuma resposta positiva a guarda costeira se convenceu de que as buscas eram em vão. Ninguém sobreviveria no mar por mais de uma semana. Eu ainda tinha esperança, mas com o tempo até isso você tirou de mim e me deixou apenas com uma criança órfã de mãe e com inúmeras necessidades especiais.

_Alan, eu fui fraca. Eu me acovardei diante da doença de Liam. Você sabe que eu estava depressiva logo que ele nasceu. Eu pensei que era o melhor para todos nós.

_Cala a boca! Você não pode estar falando sério. Agora vai querer colocar a culpa de seus erros em cima de meu filho? Liam não é doente. Ele tem síndrome de Down. Não é algo do que ele vai se curar com o tempo ou algum dia, mas o amor de mãe poderia fazer toda a diferença para ele.

_Ainda pode, Alan. Eu quero ficar com vocês. Eu amo você e o nosso filho. Precisei de tempo pra entender... – enquanto Sara falava, lagrimas escorriam pelo seu rosto. Alan interrompeu a mulher:

_E você acha que é fácil assim?! O que você espera? Que eu vá lá em cima e diga pro meu filho que a mãe que ele só reconhece por foto não está morta, que o papai se enganou e que agora nós vamos ser uma família feliz? Faça-me o favor...

_Alan... Eu sei que errei. Talvez eu nunca possa me perdoar, mas pense no melhor pro nosso filho. Será o melhor pra ele viver com a mãe. Eu estou arrependida. Eu quero voltar a viver com vocês.

_Só me diz como você escapou? Eu preciso saber. O que você fez nesses três anos em que eu chorava a sua ausência cada vez que Liam pegava um porta-retratos e perguntava por você? Alan tinha consciência de que sua voz estava embargada. Ele queria gritar, mas não podia. Também queria agarrar a esposa e se perder num abraço. Mas havia mágoas intransponíveis entre eles.

_Quando o barco virou fui levada pela correnteza pra longe. Tentei nadar, mas estava muito fraca, então eu me entreguei a força da maré e fui boiando. Você se lembra era noite. Eu não enxergava nada ao redor. Depois me agarrei a algumas rochas. Quando estava melhor nadei um pouco e cheguei a praia quase desmaiada. Era muito cedo, ninguém me viu. Quando soube da notícia do desaparecimento de quatro corpos eu pensei que se eu era um deles, seria melhor que eu desaparecesse de vez. Você iria sofrer, mas era melhor do que permanecer comigo. Achei que um dia você iria encontrar uma moça jovem e que ela seria a mãe ideal para o nosso filho. A mãe que eu nunca seria capaz de ser...

_Meu Deus! Sara! – o homem olhava pra cima, tentando segurar as lágrimas. Como você pôde ser tão egoísta? Como pôde imaginar que para o meu filho ter uma mãe substituta era melhor do que ter a mãe verdadeira ao lado dele. Que tipo de monstro é você capaz de matar o próprio filho para sobreviver? Depressão alguma justifica um ato tão cruel, tão desumano – as palavras saiam sem que Alan pudesse controlar a raiva, o desprezo e a frustração.

A mulher não respondeu as questões retóricas. Era inútil argumentar. Era ciente de que merecia o ódio do marido, não pretendia se defender, apenas falar. Fez apenas uma correção:

_Nosso, Alan. Eu sei que é imperdoável, mas Liam é nosso filho. Ainda sou mãe dele.

_Você não tem direito algum de me recriminar. Fui eu que estive do lado dele passando por cada dificuldade, enquanto você fugia pra viver a sua vida e sacrificar o meu filho. Você faz idéia do quanto sofremos? Faz idéia de cada cirurgia cardíaca que ele passou e que eu a cada vez só pensava que Deus não seria tão injusto e me tirar também ele? Você consegue imaginar minha solidão?

Sara, escolheu bem as palavras. A dúvida estava presente na conversa desde o início. Precisava saber:

_E essa moça que saiu daqui? Você e ela...

_Carol?! Ela é babá de Liam. Assim que falou se arrependeu. Não devia satisfações aquela mulher. Não era ele que precisava se explicar.

Terminou de falar e viu um clarão. O míssil caiu matando a todos instantaneamente. Jamais saberia se um dia perdoaria a esposa, mas agora era irrelevante. Bom ou mal, céu ou inferno. A morte é democrática, mas não é justa. Não pune apenas os culpados Todos têm suas dívidas e pagaram o preço com suas vidas.

E você? Onde estava quando o míssil caiu?