GEISEL

Já passavam das 18:30hs. O Presidente olhava pela janela do Palácio do Planalto a paisagem de Brasília. Tinha conseguido no dia anterior uma imensa vitória com a demissão do Ministro do Exército Sylvio Frota. Há poucos instantes acabara a posse do novo ocupante do cargo. Em um ato de grande simbolismo o obrigara a se apresentar ao Presidente da Câmara dos Deputados, e não o contrário. Restabelecia assim a verdadeira ordem das coisas. 13 de outubro de 1977 deveria se tornar uma data histórica. O dia em que as Forças Armadas voltaram a servir às Instituições, e não o inverso.

Mas sabia que não seria assim. Sempre soube. Fazia parte do plano que conseguissem ser esquecidos e não odiados, evitando o revanchismo. Na melhor tradição brasileira. Ah, a chance que perderam! Poderiam ter sido como Augusto e transformado o Brasil em um novo império. Mas a vitória e poder os corromperam. Os oficiais se tornaram tão veniais quanto os políticos. Oficializaram a tortura. Torraram as reservas em planos megalomaníacos e agora a conta chegara. Foram como Péricles em Atenas, vencidos pelo seu sucesso e por sua ambição. Pela "hubris"

O mundo também mudara. Os EUA tinham sido batidos vergonhosamente no Vietnã e as novas nações da África e Ásia tendiam para o comunismo. Se fazia necessário um "modus vivendi" com eles. Mas conhecia seu oponente o suficiente para saber seu gosto por sangue. Nada de bom lhes seria creditado. Restava apenas garantir que os militares voltassem para a caserna, achar novos líderes na oposição que fossem abertos ao diálogo e que bloqueassem os mais radicais. Tinha um líder sindical no ABC que prometia. Foi o que sobrara, permitir uma transição que não resultasse em derramamento de sangue.

Também os costumes se modificavam de uma forma vertiginosa e não havia censura no mundo capaz de interromper esse processo. A sociedade que um dia pensaram em construir era uma quimera.

O general Golbery entrou na sala e este nem percebeu.

-Alguma notícia desagradável, Presidente?

-Penso apenas no entardecer da longa noite da esquerda que se inicia.

-Você se preocupa demais. Eles não são mais inteligentes que nós. Cometerão os mesmos erros.

Os últimos raios dourados do Sol se espalhavam na linha do horizonte.

-Pelo bem do Brasil espero que estejas errado. De verdade.

Aristoteles da Silva
Enviado por Aristoteles da Silva em 06/04/2016
Reeditado em 22/07/2016
Código do texto: T5596590
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