Seu ir
A cozinha de paredes verdes, moveis dispostos num cubículo arejado apenas por uma janela de vidro, que dá acesso a uma escada abaixo do nível da rua. Um armário de parede simples com portas brancas e o restante da madeira prensada na cor preta, comporta alguns poucos mantimentos. O chão limpo. Nele as cerâmicas de cor opaca desenham algumas figuras geométricas. Um tapete esfarrapado ao pé do gabinete da pia conserva alguma sujeira. A torneira pinga no mármore negro. Alguns mosquitos rondam as laranjas na fruteira. O galão d'água vestido por uma capa rendada, com a palavra água cosida numa faixa de pano branco. O celular junto ao carregador, tocando o que parece ser um louvor gospel.
Um vão mal feito na parede dá acesso à sala. Nela um sofá retrátil de cor bege sustenta um corpo repousado. Carol, adormecera, talvez, exaurida após mais um dia enfadonho. A sua frente preso a parede, também de cor verde, um suporte branco e marrom que sustenta a tv de Led. Embalada pelo som que vinha da cozinha, incomoda-se ao perceber que a música parara. Levanta seus olhos para a cozinha de luz acesa, mas vacila ao tentar erguer-se. Permanece por mais alguns instantes deitada. Levanta-se com certo ar de soneca, indevidamente, interrompida, boceja enquanto caminha primeiro para o quarto, dirigindo-se ao pequeno banheiro que parecia ter sido embutido naquele cômodo. Fecha a porta sanfonada, ouvi-se a descarga. Carol umedece seu rosto como uma tentativa de espantar o sobejo do sono, mira seu rosto pálido no espelho da penteadeira presa na parede, percebe que vai precisar mais do que somente umedecê-lo, recolhe com a mão feita em concha um pouco mais de água e atira com certo vigor em seu rosto. Esfrega-o bem e em seguida o seca na toalha de cor indefinida pelas tantas vezes que fora usada. Já fora daquele minúsculo cômodo, percorre o pequeno trajeto do quarto até a cozinha. Para enfrente a cafeteira, despeja num corpo transparente o líquido preto, e o sorve em poucas goladas. Solta-o na pia deixando-o esperar por uma futura lavada de louça. Ela verifica se as chaves encontram-se em seus bolsos, apalpa a carteira na bolsa. Novamente certifica-se se não esta esquecendo nada, ganha a porta numa única passada de pernas, ouve a chave rodar no trinco, toma os primeiros degraus da escada num olhar, e num subir lento dirige-se ao nível da rua. Atenta para o portão destravado, abre-o e... Já não mais enxergo os seus passos. Perderam-se a muito, o que tenho na lembrança são só apenas estes instantes desconexos.