MEU PAI (parte final)
Passamos a noite velando meu pai. Recostei num sofá que havia no lugar, e cochilei por um instante. Logo que amanheceu eu fui até a beira do caixão. Lá, meu pai, meu genitor estava inerte, gelado. Não consigo descrever com precisão o que eu sentia naquele exato momento. Meus irmãos, cunhados, cunhadas e sobrinhos estavam lá. Uns permaneciam quietos, outros tagarelavam. A mãe, já não chorava mais. Apareceu um homem com a tampa do caixão. Era hora de seguir o féretro.
Vi o caixão com o corpo de meu pai, sendo baixado dentro da cova. Mais uma vez não consigo descrever o que eu sentia. Todos, filhos e netos estavam lá. Terminava a história de um homem que teve tudo: a mulher que amou, filhos, dinheiro, saúde. Entretanto, a meu ver, não soube disseminar o amor para com os filhos. Não os preparou para a vida. Cometeu pecados injustificáveis contra os filhos. Enfim, não foi um bom pai e nem um pai bom.
Até hoje, quando paro para pensar sobre meu pai e suas atitudes, não consigo entendê-las. Na verdade, eu também não sei se quero entendê-las. Às vezes sinto falta de meu pai, e quando isso acontece lembro-me de como ele era, e a saudade se esvai. Hoje sou pai. Procuro ser o pai que não tive, para meu filho. Tenho medo de cometer os mesmos erros do pai.
Meu filho é o meu xerox fisicamente falando. Assim como eu sou o xerox de meu pai, possuo as mesmas feições. Porém ter semelhanças físicas, não é o suficiente, tem que haver amor, muito amor. Muito carinho, cumplicidade, respeito, diálogo e muita amizade. Antes de qualquer sentimento, eu planto, estimulo, cuido da amizade entre eu e meu filho.
Fico remexendo e procurando em minha memória, um momento feliz que eu tenha passado com o pai. Não encontro. Sei que também contribui para não ser um bom filho, do jeito que o pai queria. Mas eu era muito jovem, inexperiente, impetuoso, com todas as qualidades e defeitos, que um jovem tem. Eu queria abrigo decente, proteção, moral e um pai amigo. Queria ter orgulho de meu pai, poder exibi-lo como um modelo de homem, através de suas atitudes e palavras. Não tive esse prazer!
Caminho ao lado de meu filho, com onze anos de idade e digo sempre a ele que eu o amo. Aponto possíveis caminhos que ele deve seguir. Ouço sua voz, quando ele quer ser ouvido. Aconselho-o, e abraço-o constantemente. Ele gosta de jogar futebol, do jeito que eu gostava. Levo-o aos jogos de futebol e jogamos juntos na praia. Caminhamos lado a lado, sentido a água salgada molhar nos pés. Ouvimos a passarada cantar nas árvores. Brincamos de assustar os bois no pasto. Vivemos como pai e filho deve, na minha visão, viver.
O que mais me vêm como sentimento, é a sensação de que meu pai perdeu um precioso tempo. Tempo de amar, de ensinar, de aprender, de trocar boas emoções comigo e também com meus irmãos. Não tive um pai amigo e por um bom tempo, tive sim um pai inimigo. Quanto mais o tempo passa, mais convicto fico de que ser pai é uma tarefa difícil, desgastante. Mas quando vejo meu garoto e minhas meninas, em casa, com saúde, a felicidade me invade e sei que dou minha vida por eles.
Do pai restam lembranças, sensações e o amargo aprendizado do que não se deve nunca fazer com um filho. Rezo sempre pelo espírito de meu pai. Já pedi perdão à ele por tudo que fiz de errado, como filho. Perdoei-lhe pelos seus erros cometidos, como meu pai. A vida segue comigo cada vez mais velho e meu filho crescendo, estudando, brincando, me amando e, sobretudo sendo meu amigo.
Ah! Meu pai...