MEU PAI ( 10ª parte )
Ao escrever este conto, não estou sendo injusto com a memória de meu pai. Aqui estão apenas algumas lembranças, das muitas que pululavam em minha mente e meu coração. Precisava botar para fora. Precisava relatar um pouco do que senti e passei na companhia do pai.
Meu pai contratou um pedreiro para construir um compartimento, em cima de sua oficina. Seu intuito era morar nesse cômodo. O pedreiro era daquele bem ruinzinho, e eu sei do que estou falando, pois passei cinco longos anos de minha vida, trabalhando como servente de um bom pedreiro. A extensão, feita à moda de um sobradinho, ficou capenga e feia. Fora de prumo e de esquadro, causou-me mais uma vez indignação.
Minha vergonha do local onde eu morava, aumentou. Aquela construção feia, mal feita e desnecessária, tornou o terreno onde eu construíra a casa de minha mãe, um lugar horroroso. E tudo comprovava o meu argumento de que o pai era ignorante, desperdiçador, orgulhoso e soberbo. Por que não voltou para junto de nós, na casa que construí?
Entramos no ano de 1994. Eu formado em História, batalhava uma vaga para lecionar numa ótima escola. O pai seguia sua rotina. No corre- corre diário, cheios de afazeres, não nos víamos. Em julho, o frio chegou intenso. O pai estava sempre mexendo. Por causa de um resfriado, acontecido porque o pai não se cuidou, a tosse o atacou. E como sempre, não dava o braço a torcer, não nos procurava, não procurava recursos médicos.
Fumante desde menino, a tosse se agravou e tivemos que passar o pai pelo médico, que vendo a gravidade da situação, o internou num hospital. Lembro-me do pai entrando no meu carro, um Fiat 147 branco, rumo ao internamento. No caminho, eu olhava para meu pai tossindo sem parar, com seu semblante envelhecido, cabelos brancos.
Antes de iniciar a aula noturna, que eu estava para ministrar, um telefonema me foi dado. Meu pai estava na UTI do hospital e não estava bem. Larguei tudo e corri para lá. Ao chegar encontrei o pai deitado numa cama, com vários aparelhos e fios ligados ao seu corpo. Estava consciente. Ao me ver pediu água. Conversamos. Ele dizia palavras desconexas. Avisaram-me que ele seria removido para outra sala, com melhores equipamentos.
Colocaram meu pai numa cadeira de rodas, rumo a outra sala. Eu estava ali do lado. Num repente, o pai sentiu-se mal, faltava-lhe o ar. Gritei por socorro. Todos, médicos e enfermeiras acudiram. O pai estava tendo um enfarte. Levaram-no para uma sala ao lado e pude ver o desfibrilador sendo usado, com choques elétricos, para reanima-lo. Mas senti que já era o fim. Meu pai morreu.
Aéreo, peguei o carro no estacionamento do hospital e, fui até a residência de um irmão mais velho. Dei-lhe a triste notícia. Depois voltei para casa e dei a notícia a mãe e minha irmã. Que tristeza grande. Posso ver as imagens, como um filme, passando por minha mente, enquanto rememoro escrevendo o acontecido. Dei a notícia a todos os meus irmãos. No velório eu olhava meu pai dentro do caixão e, confesso, nada me passava pela mente e nem pelo coração. Eu estava de certa maneira, chocado. Aproximei-me de seu corpo, toquei em suas mãos geladas, pedi-lhe perdão baixinho. Uma lágrima teimava em cair. Sai fora e comecei a caminhar, dando várias voltas no quarteirão, do prédio do velório. Minha namorada, de dez anos de namoro já, do meu lado ouvia-me dizendo que a partir daquele dia, eu iria formar a minha própria família.
(continua)