MEU PAI ( 9ª parte )
Sei que talvez tenha sido difícil para o pai, ser diferente, mas na época eu não tinha esta percepção, nem o amadurecimento necessário para agir de forma diferente com ele. Meu pai não me educou para amá-lo, para sentir nele um amigo. Ele nunca foi meu companheiro. Nunca pude abraça-lo e falar-lhe de meus sentimentos e vontades. Ao invés de ser meu amigo, o pai tornou-se meu concorrente. Em tudo ele concorria comigo, esquecendo-se que eu era jovem demais e que nascera dele.
Quantas noites amarguei com tristezas, por não ter um pai igual ao dos meus amigos. Todos falavam com entusiasmo de seus pais, demonstrando admiração e orgulho por eles. E eu só conseguia sentir vergonha e certo desprezo pelo meu. O pai não dava um passo sequer, em minha direção. Distanciava-se mais e mais. Havia dias em que nem o via, não tínhamos mais nenhum tipo de bom relacionamento. Creio que nunca tivemos.
Eu estava numa universidade maravilhosa, estudando história e, na família, vivendo uma história dramática. Em que contradição eu vivia. Que dilema. Mas levava minha vida, cheio de livros para ler, textos e provas. Também tinha meu trabalho de servente de pedreiro, duro e cansativo. Ia à noite para a universidade muito cansado, porém satisfeito com o curso que escolhera e a carreira que, esperançoso, abraçaria.
Como sempre sonhei, em 1993 escrevi e com patrocínio, publiquei meu primeiro livro. Na dedicatória, deixei expressa minha gratidão à minha mãe, que sempre fizera tudo por mim. Não citei meu pai. Agi de maneira tão natural, que nem percebi. Na noite de lançamento do livro, tinha muita gente. O pai não estava lá. Se eu fosse busca-lo, acredito que não teria ido. Meu pai não se importava com o filho escritor. Ele agora estava com 71 anos de idade. O tempo passava.
Na minha formatura na universidade, o pai também não foi. Eu por ter sido o melhor aluno, fui o orador da turma. Lá estava a mãe vendo, ouvindo e participando de tudo, mas sem a presença de meu pai. Se ele fosse convidado, não teria ido também. Meu pai não se importava com o diploma universitário do filho. Aliás, ele nunca se importou com nenhuma das fases escolares pelas quais passei, e sei que de nenhum dos outros filhos também.
Apesar de aposentado, o pai nunca deixou de fazer alguma coisa. Estava sempre se mexendo. Ora estava em sua roça de arroz, ora em sua oficina de bicicletas. O pai foi um homem trabalhador. Esta qualidade ele tinha. Também nunca o vi bêbado, todas as suas boas e, o que é pior, as más ações foram feitas dentro de uma sobriedade impressionante. Fico pensando, se o pai fazia tudo àquilo de ruim, de propósito, ou se realmente foi involuntário.
(continua)