VIGIA
VIGIA
Este verão estava sendo o mais quente dos últimos anos. Mesmo quando a noite chegava a temperatura parecia não baixar. Isto fazia com que as pessoas ficassem até mais tarde nas ruas. Para mim isto era muito bom, o meu trabalho de vigia noturno de prédio deixava de ser tão solitário e silencioso por algum tempo mais. Neste trabalho eu ficava na parte interna, na garagem do piso térreo e também do primeiro andar e ainda na portaria, mas sem contato com a parte externa a não ser pelas janelas durante as rondas que fazia a cada meia hora.
Nesta noite de quarta pra quinta feira, tudo estava muito tranqüilo. Os carros na garagem pareciam bebes dormindo, cada um em seu berço com números de identificação e tudo. Eu ficava imaginando que estes bebes estavam todos com a barriguinha cheia, todos com sapatinhos novos, e com a luz do alarme piscando na maior despreocupação. Nesta hora em que eu cuidava deles, não permitiria que nada de mal acontecesse a nenhum deles, me sentia o dono deles, não no sentido financeiro imagine um vigia dono de um carrão desses.
Porem sonhar é permitido, e foi dando asas a imaginação que me vi chegando de uma viagem num desses carrões, na casa de meu irmão lá na cidadezinha do interior. Na casa de meu irmão porque ele estava doente, e eu queria visitá-lo. Lá chegando cheio de alegrias pelo contato com os familiares, tomei ciência da situação de meu irmão. Ele precisava fazer implante de prótese óssea, esperava a tempo na fila do serviço público, e também sonhava com um milagre financeiro como segunda opção. Imagine só, o meu carrão durou apenas uma viagem, e só de ida, vendi o tal, afinal pra que um carrão desses, consome demais, o seguro é muito alto, e da muita preocupação, a gente tem que mudar toda a maneira de viver para ficar condizente com o carrão, bobagem.
De volta à realidade, notei que esta noite estava mais clara que as outras. Pela janela eu via a lua que estava em sua faze cheia, mesmo tendo uma faze minguante ela se supera.
Oh lua. Inspiração para os amantes e horripilantes.
Janela aberta para os cantantes e uivantes.
De uma das janelas eu podia ver, de um lado o mar, a praia, e a avenida Atlântida. De outro lado à avenida Brasil,com todas as luzes de néons publicitários, o intenso comércio quase vinte e quatro horas, os faróis dos carros em procissão e quase parados pelo congestionamento.
A avenida Atlântica tem menos luzes, com isso o footing é inevitável.
Eu estou numa cidade que tem o oceano Atlântico no quintal, pode!
Mas esta noite a luz da lua supera a luz artificial. Pela janela de formato igual à lua posso ver a imagem de São Jorge montado em seu cavalo lutando com o dragão.
A janela tem grade de alumínio anodizado fosco, e pelas frestas posso ver a ponte sobre o córrego que despejam o esgoto, e que fede o tempo todo. E os ratos. Quando acalma o barulho eles aparecem, são dezenas e tem tamanho de gatos, tomam conta da rua por alguns minutos como se fosse uma reunião de sindicato, até que venha alguém ou um carro, então eles fogem pro córrego.
Quando já na madrugada, retornando das noitadas os casais de etero e homo sexuais aos beijos e amassos. Jovens excursionistas encantados e embriagados cantando e gritando, provocando ecos. Os sons de freadas e arrancadas dos pneus dos carros dirigidos por jovens que só conhecem da noite o escuro. E todos sentem se protegidos dos olhos alheios, nem imaginam eles que nas garagens, porões e qualquer fresta, há vida bem acordada, olhando para fora não por curiosidade, mas por necessidade, pois uma noite deste trabalho mais parece uma eternidade com medos e suores, e muitos sonhos acordado.
Com o consentimentos do autor: Paulo Cezar Rozeto
Que apesar de ter partido, continua vivo em nossos corações.
Paulo Cezar Rozeto
20/02/06