CHORAVA, CHORAVA*
Chorava, chorava. Como a muito tempo não fazia. Ouvia uma seleção de músicas antigas. Ao mesmo tempo conversava com uma amiga que acabara de ser mãe pelo Face e lia um conto sublime sobre esperar um telefonema de alguém. Deixava que tudo aquilo lhe invadisse, dedilhando as teclas do piano de sua alma. Chorava, chorava.
O passado e o presente se misturavam. Deste misturar saíam coisas completamente inesperadas. Mandou um poema sobre se sentir sozinho no exterior para um amigo que estava nos EUA. Escreveu uma crônica e um conto. Teve ideias para vários outros. Viu seus filhos nascendo de novo enquanto lavava a louça. Chorava, chorava.
O celular deu o alarme. 16:00hs! Correu e tomou um banho. A esposa ia chegar daqui uma hora. Fez a barba no chuveiro. Ao se enxugar a aliança caiu no chão. Tlín! Largou a toalha, pegou-a e foi se sentar na poltrona da sala. Ficou a observando por uns cinco minutos antes de coloca-la de volta no dedo. Não ia mais engana-la. Não merecia sofrer mais uma vez.
Vestiu a roupa e foi até a gaveta que não abria a 15 dias. Lá dentro a passagem de volta o encarava acusadoramente. A caixa do remédio para as oscilações no humor e a medicação para evitar surtos; também a outra para controlar a impulsividade. Tomou um de cada. Como conseguiria fazê-la acreditar que os estava tomando? Ela que acompanhara cada surto e cada internação. Ou será que ela que se enganava?
Sabia que só começariam a fazer efeito daqui a pelo menos dois dias. Estaria "estabilizado" só depois de uma semana ou mais. Mas ao engoli-los o mundo já perdeu um pouco da cor.
Odiava ser bipolar. Era tão maravilhoso...